sábado, 7 de dezembro de 2013

Próximo passo



Foi quando sentou na beira da estrada – naquele caminho tão distante quanto o horizonte dos seus desejos – e respirou tão fundo que deu para ouvir o soluço do coração. Parecia desesperadamente assustado e entusiasmado, tudo ao mesmo tempo, como uma daquelas misturas mágicas que parecem estourar em frente aos olhos de uma criança. Sentiu uma espécie de ameaça com tantas incertezas, era o desespero do “se” mais uma vez chegando. Ainda assim, tinha espaço para toda possibilidade apaixonante de segurar cada floco de sonho que parecia estar perto, mesmo que pairando no céu. 

Sentou no cantinho da janela e sorriu. Todas as estrelas daquele céu, que anos atrás era o mais desconhecido manto que cobria seus passos, agora emanavam um brilho de lembranças. Parecia contar os casos mais bonitos com direito a suspiros e lágrimas. Cada pequeno brilho era como uma peça se encaixando e formando um universo estrelar de recordações, de olhares sinceros, de corações divididos, de uma saudade que ainda não era bem saudade doída, mas saudade que chegaria em breve.

Já não sabia se queria ir, muito menos se deveria se apegar a ideia de ir. Queria outro céu para tantas noites de solidão, poesias cotidianas e sonhos de menino. Mas tinha medo que o outro céu viesse com tanto sol que ardesse. Sempre quis coração abrigado, mas também tinha medo de ser gente grande quando era preciso provar que, para ser gente grande, a dose de coragem deveria ser maior que a de vontade. E se o caminho fosse longo, o próximo passo parecia estar perto. 

Sorrateiro e decididamente a fim de confrontar todas suas coragens e medos, o destino vem vindo. Se apronta, dá um jeito na bagunça do seu cabelo e vai de coração livre. Na vida, menino, gente grande foi feita para voar!

Texto de Patrick Moraes

sábado, 16 de novembro de 2013

Quando você se foi


Make You Feel My Love by Glee Cast on Grooveshark

Segurei sua mão como se ainda quisesse te segurar aqui. Era estranho te olhar daquele jeito, como se a qualquer momento você pudesse ir, pra algum lugar desconhecido e especial, e eu não pudesse mais sentir o cheiro exato daquele seu perfume forte. 

- Fica bem aqui. Cuida de todos e de você. Do seu coração que tanto me amou e que tanto me fez acreditar que bastaria um sorriso de dentro para tudo ficar radiante cá fora.
- Não sei se consigo cuidar de tudo sozinho. Não sei me equilibrar se quer no coxim de uma bicicleta, imagina segurar um coração sem tua ajuda.

Mesmo sem força, você segurou minhas mãos e suavemente me pediu para ficar em silêncio. Eu não sabia como dizer todos os mais nobres sentimentos que construímos, muito menos conseguiria me despedir. Mas, em silêncio, meu coração ardia pelas lembranças que se tornariam presente constante e imperfeito, meus olhos ardiam pelas lágrimas que insistiam em nunca secar e meu corpo apenas respondia a tudo com a inércia desesperada de quem não consegue pensar em um segundo plano sem você.

- Você é a minha pessoa. Aquela que me fez remoer expectativas quando te vi me olhando timidamente, pela primeira vez, enquanto eu atravessava o pátio do colégio. Você é quem acordou de madrugada, enquanto eu soluçava por mais um pesadelo, e me disse que tudo ia ficar bem com o abraço mais aconchegante que eu poderia receber. Não, não quero deixar você ir. Você é quem eu escolhi para dividir todas as minhas noites, todos os nossos dias, todos os meses de anos que construiríamos pelo resto da vida. Você é tão parte de mim que já não sei como me ajustar quando levantar amanhã da cama para mais um dia nublado sem teus beijos na testa ou aquele abraço corrido.

Você suspirou e apertou, pela última vez, a minha mão. Era como se dissesse “vou estar sempre aqui, para você, mesmo que não possa segurar sua mão como agora”. Era como se ali, meus dias tivessem parando, meu coração estivesse despedaçando e o futuro passasse a se desconectar dos nossos sonhos.

Aqueles dias de domingo no jardim cheio de jasmins, com o seu cachorro desastrado correndo atrás de mim e o som alto da sua risada acompanhando o pânico dos meus gritos. Aquele cafuné no meio da semana, enquanto a gente via pela décima vez a minha comédia romântica preferida que você não aguentava mais, mas acabava cedendo só pelo cafuné. Aquela viagem à praia em que você me arrastou para o mar, mesmo sabendo o quanto eu odiava o sal grudando em meu corpo. 

Ah, meu amor, eu sempre amei o quanto você, insistentemente, me fazia encarar meus medos. Mas tudo isso se foi. Você se foi. Todo nosso baú de afetividades se foi junto com as lágrimas que enxuguei em suas eternas descobertas diárias. Todos os segredos confessados baixinho no escuro do nosso quarto morreriam agora dentro de mim, acompanhados de uma saudade que me despedaçaria por longos meses. 

Agora eu já não podia mais te provar o quanto eu lutaria com o mundo para ter o seu sorriso de novo. Eu não poderia te mostrar que a gente formava o mais belo dos casais apaixonados e que meu coração sonhava em dormir e acordar todos os dias contigo. Tudo que resta, agora, é segurar sua mão pela última vez, fechar os olhos e sentir nosso amor escorrer pelo meu rosto para se acalmar, mais tarde, em meu coração. Tudo que me resta, é saber que, onde quer que você esteja, você fará morada, para sempre, dentro de mim.

Texto de Patrick Moraes

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Breve adeus

"O não-lugar que faz-se sempre o meu lugar."


"Oi, você.

Não queria te acordar tão cedo para deixar meu abraço mais carinhoso. Acho que seria mais doloroso ver meu ônibus partindo e você do outro lado da janela, em pé, olhando perdido para um horizonte infinito e tão cheio de perguntas. Te dei um beijo silencioso assim que levantei daquele lugar que ontem tornamos só nosso. Como você não se mexeu, te cobri novamente e abri a porta com o máximo de cuidado possível. 

Ajeitei todas as roupas na mochila e terminei de me vestir na sala para não te incomodar (na verdade, para não te assustar dos sonhos claramente deliciosos e entregues pelo seu riso maroto). A propósito, a minha camiseta velha de ontem ainda guarda o cheiro do seu perfume. E seu perfume ainda guarda as memórias da nossa noite e das nossas tantas conversas.

Pensei em te ligar mais tarde, quando já estiver há milhas e milhas distantes de você. Mas ouvi sua voz seria uma tortura para meu pobre coração que se perdeu. É, tento acalmá-lo com os velhos discursos de “tudo vai ficar bem” ou aquela frase que você me disse: “não fica assim, um passo de cada vez”. Acredita que ele é tão marrento que bate descompassado em sinal de rejeição a toda essa teoria fajuta feita para enganar a saudade?

Deixei o café coado na chaleira e a geleia junto com as torradas em cima da mesa. Não esquece de ler aquele texto da faculdade e nem de continuar as análises do seu trabalho. Ah, se der, escreve de vez em quando contando como está. Preciso mesmo ir, meu ônibus sai em quinze minutos e não posso insistir para o motorista esperar eu ter apenas mais uma manhã de amor ao teu lado. Ele não entenderia. Ninguém mais entenderia o quanto seu sorriso largo tem sido predador de mim nos últimos dias.

Um beijo afável em cada pedaço de você. Se cuida!

PS: Desculpa as manchas em forma de pingos no papel. Meus olhos estão irritados pela partida e não consegui controla-los."

Carta de Patrick Moraes

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Ventania noturna


Depois de desembarcar subitamente em sua vida, te descobrir era como acordar de manhã e procurar um novo poema nos livros de Pessoa. Não, você não fazia muito mistério. Seu riso aberto, aquele que me apaixonei no seu álbum de fotografia, era como a porta de entrada para eu me sentir em casa. Se em sua sala de visita os papos pareciam ter sido continuações de longos anos imaginados e reais de amizade, era hora de descobrir o que os lençóis do seu quarto diziam.

E veio a tua pronta resposta para o meu olhar que explodia de vontade. Veio meu toque em seus cachos tão macios e cheirosos quanto a tua pele. O riso contido de duas crianças se escondendo, brincando de se amar por baixo de cobertas e entre paredes. Veio aquela luz da lua, que mais piegas não poderia ser, iluminando o quarto quase abandonado. Parecíamos estar tateando o desconhecido, conhecendo cada parte de bonecos que reagiam ao toque, aguçando cada sentido para poder realizar os mais sensíveis prazeres.

- Posso? – perguntei com o olhar que exalava vontade de te descobrir.
- O quanto você quiser.

Seus olhos fechados, seus dentes mordendo os lábios, seu corpo que se contorcia como quem tenta fugir das prisões dele próprio. Eu te prendia: mãos, pulsos, sentimentos, prazeres. Eu sorria, de canto de boca, para te mostrar o quanto era divertido te tirar do estado normal. Enlouquecer você devagarzinho era a minha diversão daquela noite.

Fui dividindo o meu corpo com o teu pela primeira vez sobre um colchão nu. A coberta no chão, o vento frio que vinha da janela aberta e dois corações que iam respirando. Agora eu tinha teu corpo jogado em cima do meu e sabia como era te querer, ainda mais, desde a primeira vez em que te vi. A calça de moletom ao lado da minha camiseta eram a prova de que você me teve aquela noite. Os olhos cansados e o suor da sua pele eram as marcas de prazer que só a lua foi capaz de observar.

Foi a nossa intimidade fugida, sorrateira, macia. 
Foi o meu desejo de te raptar.
Foi apenas a vontade de viver dentro do seu corpo.
Em outras noites de lua ou em ventos frios dos próximos invernos.

Texto de Patrick Moraes

Texto escrito para o Esquinas inspirado na música "Sim" de Nando Reis.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

O terminal


Quanto tempo leva na tua história pra uma história acontecer?
Leo Fressato

Era tarde de sexta quando eles se perceberam. Um lia Platão com seus óculos perdidos em eternos campos verdes. O outro se convencia de que os versos simples de Cícero era o melhor escape para cada escorregada que o seu coração deu ladeira abaixo. Eram vizinhos desde os primeiros passos de vida. Por simpatia do destino, quase foram apresentados nas aulas de textualidade na faculdade. Por ironia da vida, resolveram encarar os intertextos em contextos tão distantes quanto Platão e Cícero.

Cresceram grudados a cadernos, lápis e canetas coloridas. Entre os mais simples rabiscos, ousavam brincar de escrever sobre si. Complexidades, efemeridades, sentimentalidades que, vez ou outra, iam parar em cadernetas velhas encaixotadas a cada mudança. Costumavam dizer que cada desabafo parido nas madrugadas de café em canecas era capaz de explicar uma parte desconhecida de si. E se não explicasse, pelo menos um dedo de prosa serviria para outros olhares se entenderem por aí.

Nunca se viram por mais de vinte anos. Nunca sequer pensaram na real possibilidade de existir um para o outro. Sabiam que um estaria ali para o outro, mesmo que sem a certeza de nomes e feições. Um dia, por ironia do destino, o primeiro deixou de ler Platão e foi ler o segundo. O segundo, enfeitiçado por uma das canções de Cícero, resolveu tirar os fones e colocar os advérbios em seus devidos lugares.

Dizem por aí que o encontro do olhar intelectual com a sensibilidade foi incrivelmente encantador. Pareciam ter dividido as histórias inventadas de uma infância cheia de desenhos, poesia e doçuras. Eram como dois meninos, que se reencontravam após anos, naquela velha estação de ônibus de uma cidade do interior. Ainda não acreditavam que poderiam compartilhar causos, abraços e medos por dias e noites. Ainda roubavam a seriedade um do outro, o silêncio, as certezas, os medos... 

E naquele terminal a lua sorria para as duas metades.
Platão e Cícero.
Poesia e prosa.
Canecas e café.
Melodias e toques.
Palavras e silêncio.
Um e outro.

Texto de Patrick Moraes

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

O boneco de um ano

"This home is where my heart is
My heart is where we both live
I'm sorry for acting so silly"
Tiago Iorc


Era noite de domingo. Não me lembro se havia lua cheia, se o céu tinha estrelas, mas sei que fazia bastante frio quando você nasceu. Era pequeno, tímido, curioso e tinha uma inocência sem tamanho ainda dentro de si. Você adorava brincar, mesmo que suas feições fossem, na maior parte do tempo, de birra. Não era bravura, era só uma forma de intimidar, de não deixar que qualquer um tentasse chegar perto para te fazer sorrir.

Nos seus primeiros meses, foram incontáveis as suas birras, tão incontáveis quanto as nossas brincadeiras naquele jardim. Você sempre corria quando me via chegar, eu sempre contava as horas no trabalho para poder te encontrar. Ver o sorriso de poucos dias ainda era minha diversão preferida de quase todas as noites. Você aprendeu aos poucos a falar a minha língua e, de repente, estávamos alinhados em um papo sem precisar soletrar mais nenhum sentimento.

Seus olhos; eles eram tão dengosos quando estavam tristes. Ou quando, simplesmente, queriam me convencer dos seus mimos. Gostava de te colocar deitado em meu colo, te fazer cafuné e me perder entre uma palavra e alguns risos. Daquele mesmo jeito quando chegou o primeiro urso de pelúcia. Era a brincadeira de ter um filho, com nome, afeições e direitos garantidos por decretos sentimentais. A guarda era minha, o carinho era nosso.

Você começou a engatinhar e adorava brincar de conhecer cada novo canto da nossa casa. Alguns te despedaçaram, outros te fizeram cair exausto de tanta diversão. Alguns te roubaram a inocência intacta, outros te trouxeram os sorrisos mais doces e sinceros. Mesmo com tantos receios nos primeiros passos, você nunca teve medo. Segurou em minha mão e andou. Desconsertado, cambaleando, com vontade de ser gente grande logo.

Mas aí você cresceu ainda mais. Era hora de eu te deixar ir ao mundo, te levar para aprender novas palavras. Ainda tinha medo de te ver longe por muito tempo, medo de você não conseguir andar com as próprias pernas ou alguém te derrubar pela simples vontade de te ver chorar. Queria te proteger de tudo, dos falsos contos de fadas, dos verdadeiros e imperceptíveis monstros. Por mais que seus passos já tomassem forma nas areias de uma praia distante, eu ainda queria te ajudar a terminar o castelo de areia que a gente começou.

O tempo passou. Você cresceu rápido demais. 

Hoje, você faz um ano. Sem bolo, sem vela, sem parabéns. Os doces? Ficam para o próximo aniversário. Os sonhos? Acabei de terminar uma bandeja deles e ainda estão quentes. Eu sei, não vai dar tempo você chegar para experimentar pelo menos um deles. Mas guardei seu presente aqui. Quando você chegar, os laços ainda estarão embrulhando o mesmo boneco de amor que eu encontrei naquele domingo quando você nasceu.

Texto de Patrick Moraes

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Mil perdões


Maio de 2011,

Aquele sorriso mais uma vez em minha frente vinha acompanhado dessa vez dos olhos pequenos, tristes, tímidos, sem vergonha. Era confuso fazer uma simples análise naquele momento, era como tentar vergonhosamente decifrar um total estranho, com a diferença de você ter compartilhado intimidades um dia. 

Sentamos e a única coisa que eu consegui fazer foi te perguntar as trivialidades de vida, as mudanças e sorri de canto de boca. Você retribuiu, se soltou e me olhava hipnotizado. Já não sabia se seria melhor dificultar e te mostrar o quanto você perdeu ou me entregar como da primeira vez.

Aquela primeira vez em que você me olhava pequenininho, ainda se descobrindo, ainda me descobrindo com os olhos. A magia de me desnudar, o vagabundo charme capaz de me deixar envergonhado. Você não sabia nada e ao mesmo tempo fez tudo que deveria ter feito naquela noite deitados no chão. Mas agora estávamos em um bar, em plena quinta-feira e uma situação mais avessa do que imaginava.

De frente a você eu sabia que não ia resistir por muito tempo, sabia que aquele outro que me roubou de você nunca teve significado, nunca se quer soube te amar. Sempre quis saber se ele te dava prazer como eu, se ele te beijava com tanto desejo depois de duas ou três transas. Mas talvez você prefira assim, sem tantos laços pra não enforcar o presentinho colorido, bonito, mas machucado de tanto embrulho. Talvez você queira um lençol a cada noite, pra não lembrar quem deitou na noite passada. Talvez hoje, naquela mesa, você só queira os mil perdões que insistia em cada dose de uísque que tomou nesses longos meses desde o nosso fim.

Seu papo continuava o mesmo, sedutor e divertido, e sua risada gostosa era como se quisesse me fazer de palhaço. Eu não queria, mas meu coração já havia te perdoado, meu coração era tanto amor que já não sabia pensar. Perdi o freio, o bom senso e só ganhei uma dose de pavor. Era medo tudo que eu sentia, e foi exatamente isso que me fez te perder. Já não sabia ser tão firme a ponto de excitar seus pensamentos, capaz de trazer pra mim qualquer outro naquele bar em um instante e apenas com um olhar. Eu não queria te trair, eu queria que você levantasse da cadeira e lutasse por mim, jurasse que a gente era a gente e não só eu. Eu queria que você sentisse o ardor no peito por me perder, por se sentir trocado em moedas de pesos tão diferentes que não valia tentar compensar.

Três copos de vodca barata e você simplesmente me tinha de novo. E foram roupas, foram beijos, foram os toques mais profundos e atraentes. Você era quem eu tinha perdoado na ausência do eterno malfeitor e eu te tinha não mais em perdões, mas em sonhos traídos e jamais criados por mim. Você era quem eu demorei pra entender, mas que agora eu conseguia brincar, eu conseguia simplesmente viver naquela cama, naquelas noites, depois de um botequim. Era perdão, era desejo, você era a dose de uísque mal tomada que dessa vez não deixaria ressaca.

Texto de Patrick Moraes

Texto especial para o Esquinas inspirado
na música "Mil Perdões" de Chico Buarque.

sábado, 27 de julho de 2013

Eu te amaria...


Todos os pecados e perdões bagunçavam minha mente aflita, meu coração despedaçado e meus olhos desesperados pelas suas certezas. Eu parecia nunca ter saído do parquinho do colégio e o balanço acelerava bruscamente. Meus pés já começavam a arranhar forte. Mesmo que eu quisesse, era impossível controlar a velocidade daquilo tudo. Dar um basta era como desafiar o percurso natural do vento.

Assustei!

Você estava ao meu lado, com a cara de sono mais linda e preocupada de todas. Mais uma vez eu tinha calafrios e pesadelos no meio da noite em apenas uma semana. Sentei na cama, me apoiei em seu colo e duas lágrimas desceram. Será que você iria entender um dia o meu medo de te ver partir?

- Eu te faço tão mal assim?

Mal sabia você que o grande mal veio do amor. É, mal de amor é desse jeito. Pra mim, que sempre fiz dos sentimentos verdadeiros camburões vigiados e controlados pelos mais rígidos sensores, aquilo era uma ameaça.

- Você me amaria se tivesse que acordar todas as noites e enxugar minhas lágrimas desesperadas? Você me amaria se descobrisse que meu corpo não poderia ser tocado por alguns meses? E se descobrisse que nossos dias juntos estariam destinados ao fim com a minha partida? Você me amaria se eu te pedisse mais espaço no guarda-roupa ou que você nunca mais deixasse a toalha molhada em cima da camisa que eu separei para usar amanhã no trabalho? Você ainda ia acreditar se eu dissesse que não te quero todos os dias e que preciso dos meus dias de solidão? Que apesar do meu amor desesperado e entregue, você é você e eu sou eu, mesmo que nós dois formemos uma combinação incrível juntos?

Respirei. Seus olhos misturavam o medo de pensar em cada pergunta com o desejo de responder que me amaria acima de qualquer coisa só para conter minhas lágrimas.

- Eu te amaria por todas as coisas que conheci em você. Pelas nossas brigas, pelos teus choros na madrugada e até pela tua mania insuportável de querer as coisas sempre do seu jeito. Eu te amaria ainda que não pudesse repetir as melhores transas que tivemos, ainda que soubesse que você teria que partir ou que eu não pudesse mais compartilhar dos meus dias com os teus. Eu te amaria sem qualquer mudança sua ou com todas que forem preciso. Eu te amaria se tivéssemos que dividir uma cama de solteiro, um quarto apertado e uma vida corrida. Eu te amaria pelos teus beijos ou só pelo teu cafuné no final da noite. Eu te amaria pelos teus versos que nem sempre entendo, pelas tuas confusões sentimentais, pelo teu coração nobre. Eu apenas te amaria, sabe?

De certo, ainda que perto, o mal de amor que você trouxe será sempre o vilão de cada poema que rabisco todas as noites quando você não está. Adormeci, ainda no seu colo, mas lembro de ter ouvido as três doces palavras que me acalmariam aquela noite. 

- Eu te amaria...

Texto de Patrick Moraes

Texto inspirado na música "Não Precisa Mudar"
para o projeto Esquinas

terça-feira, 2 de julho de 2013

Beijo roubado

"e, se eu pudesse, faria você feliz."


- Ainda não estou pronto.
- Só quero te roubar um beijo.
- Aqui?
- Sim. Onde todos possam ver minha vontade de te tornar meu ao menos hoje, ao menos agora.
- E depois?
- Depois você pode correr sem ao menos olhar pra trás, sem se despedir, sem dizer se foi doce ou deixou o amargo sabor de um beijo roubado. Depois você pode não me fazer juras de nada, pode apenas fazer de conta que nada aconteceu ou gaguejar qualquer expressão sem qualquer sentido que eu deixo. Depois é só o momento que a gente não precisa pensar agora, ele vai vir você permitindo que seja refeito ou não.
- E se eu não tiver forças pra correr?
- Eu te seguro, te coloco em meu colo e te entrego meia dúzia de sorrisos entre um beijo e outro dos vinte nove que te prometi meses atrás.

Levantei antes que você pudesse se virar na cama e me alcançar com seus braços longos e quentes. Não queria ter que me despedir dos teus beijos, do teu coração carente e dos teus olhos pequenos. Corri no espelho, peguei o primeiro batom que sobrou, jogado ali em meio à peças íntimas e roupas da noite anterior e rabisquei as palavras mais rápidas e acordadas.

“Tive que ir, mas te desculpo por me querer mais do que eu mereço.”

O coração bateu a porta mais forte e desesperado possível. Era como se eu estivesse fugindo da possibilidade de me refazer. Uma verdadeira fuga pela (re)criação de corações que sorriem. Você de risos espalhados pelo olhar pequeno e que me amou em cada pequena estrela que se confundia com nossa felicidade noturna; você que adormeceu em meu colo enquanto eu acarinhava seu cabelo macio e repousava minhas pernas cansadas nas suas aconchegantes. Você que brincava como em um casamento na roça no qual nada mais bastaria além de um chapéu de palha, dois amores e um altar. Você que soube ser meu, mesmo sabendo que eu ainda não poderia ser totalmente seu.

Sim, eu te perdoava por ser o que todos mais desejariam em noites frias com balões no céu. Eu te perdoava por trocar os teus minutos pelos nossos beijos, mesmo sabendo que depois a ausência de uma despedida seria o primeiro dos nossos legados, o símbolo de um casal que se refaz a cada começo de festas e se perde nos últimos minutos de uma multidão afoita de alegria.

Texto de Patrick Moraes

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Foge, balão


"O tempo corre, a rosa morre
Nem tudo funciona de verdade."

Vesti o moletom velho que sempre escondia todas as vezes que você resolvia aparecer sem pedir licença. Calcei um chinelo surrado e não me importei se meu cabelo estava ou não tão bagunçado quanto as minhas certezas amorosas. Tirei da despensa tudo que poderia me distrair aquela noite, todos os restos de doces abertos e os pedaços de amargos chocolates que fui guardando para nunca experimentar um fim.

Entre todas as tentativas inocentes de te esperar, talvez eu tenha me perdido em avassaladores assassinatos de corações. O menino de rosto de anjo e moletom do Mickey alternava os personagens sem ao menos perceber que se perdeu. Você ainda era o prometido do reino encantado que montou entre castelos, torres e um legado não menos real que fabuloso. Mas você era o escudo para as truculências de uma frieza inesperada mesmo em momentos quentes. Você nunca deixou de existir, mesmo que, por vezes, você se fizesse apenas como um trunfo para justificar qualquer atitude banal e impensada.

As coisas não iriam mudar enquanto aqui dentro ainda estivesse confortável. Te amar era real, mas era ainda maior o conforto de ter sobre quem escrever nas noites amarguradas e saudosas. Era convincente ter lágrimas no coração para banhar a alma vez em quando, na certeza de que o próprio amor estava vivo. Ainda era doído como tudo terminou, mas até isso era preciso guardar para que eu pudesse ter o que esperar. E sua espera passou a ser a lei dos últimos dias.

Coloquei a televisão no mudo para ouvir o descompasso aqui dentro. Já não sabia se era a saudade quem batucava quase que sem ritmo ou se era o desespero de não ter o que chorar caso eu deixasse você ir de uma vez. Sorri como quem vê um balão colorido escapando das mãos de um menino e não sabe onde aquilo tudo vai dar. Será que ele estoura antes de chegar lá no céu? Mas onde é mesmo o céu? Será que um dia eu vou conseguir tocá-lo sem ao menos questionar o que é possível?

Um pouco de som, um pouco do amargo chocolate. Um pouco da sua distância, um pouco das minhas más intenções revestidas de boas tentativas. Igual aquele balão, era assim que a vida andava: subindo, pairando, mas sem a certeza do momento em que iria se desfazer no ar e voltar a ser plástico velho pelo chão.

Texto de Patrick Moraes

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Adormeceu



"Nunca me esqueça.
Eu não te esqueço jamais."
Geraldo Azevedo

Adormeci. Depois de ter o peito apertado pelas lembranças, eu descobri o aconchego da cama. Depois de sentir o sal de cada lágrima que teimava em escorrer em um gesto desesperado, eu encontrei naquele seu presente o afeto que faltava. Depois de sentir o coração ser torturado pela tua ausência, eu fechei os olhos como uma forma de misturar a minha teimosia desanimada com a aceitação impaciente.

De lá pra cá, não acordei mais. Adormeci os sentidos, agucei os sonhos e fingi que as dores passariam, que os sorrisos bastariam, que você não viria. Sucumbi todo e qualquer desejo de você quando, racionalmente, você destruiu todo e qualquer pedaço de esperança de te ter novamente. Desisti de manter a chama acesa. Desisti de segurar a vela com a mão. Deixei ir apagando, devagarzinho, lentamente... silenciosamente.

Não bastava. A chama nunca se apagaria. Era fonte de amor, daqueles que sangra e exala o perfume mais doce e o sabor mais ardente do inesquecível. Era a borra que queimava a pele ainda que a chama me cegasse os olhos. Era o simples suspiro bobo de um amanhecer, o abrir de uma janela e o claro raiar do sol.

A chama, outra vez, se fez intensa. A alma, outra vez, se aprontou. Sempre soube que você voltaria. Ainda que não fosse pra mim, você voltaria. Ainda que sem me tocar, ainda que sem trazer seu coração pulsando e seu corpo ardendo, ainda que sem entrega, você estaria aqui, em minha frente ou escondido em qualquer canto desse lugar que foi nosso.

Quando chegar, não me proponha carinhos. Quando aparecer, desista de todos os sentimentos agradáveis e amigáveis. Melhor ainda, aprenda de uma vez por todas que a chama só existe se for alimentada com o avassalador sentimento de uma paixão eterna. 

Se aceitar voltar, deixe de lado todo o orgulho que te impede e todas as palavras mal ditas. Se for preciso, recomece. Se houveram tentativas frustradas de esquecimentos, repense. E quando as marcas de arranhões provocados pelo próprio desejo de cuidar ainda incomodarem, acredite em todas as palavras que confessamos naquela noite em que você se foi.

- Promete que nunca vai me esquecer?
- Nem se eu quisesse. Você será pra sempre!

Texto de Patrick Moraes

Esse texto é um projeto especial do Esquinas com músicas de O Grande Encontro
e foi inspirado na música "Dona da Minha Cabeça"

quarta-feira, 12 de junho de 2013

O surto de amor

"Sim pro inexplicável.
Eu disse sim."
Sandy


Não, eu não pretendo achar a metade da laranja. Eu simplesmente espero que aconteça. Talvez eu peque no esperar, mas eu compenso no acontecer. Não quero quem me complete, nem que venha pela metade para formar um inteiro. Se for pra vir, que venha cheio. Cheio de vontades, cheio de querer, cheio de motivos.

Não, eu não preciso de mais poréns só para, enfim, completar uma frase. Uma frase mais necessária no texto de outros do que no meu. Eu só preciso continuar reticente, com algumas vírgulas e uma ortografia impecavelmente capaz de traçar as melhores e piores confusões sentimentais. E se faltou uma crase, me perdoe pelo deslize gramatical e me considere pela (in)coerência dos meus gestos sutis.

Não, eu não me tornei um doido varrido desses que te procura em qualquer esquina, em qualquer meia viagem ao trabalho ou naquele vagar solitário de pensamentos em pleno domingo à tarde. Se as noites são mais frias e menos preenchidas sem abraços, o calor vem das palavras amargas de qualquer muro virtual ou mesmo de uma página amarela e mofada de um presente antigo.

Sim, eu surtei de amor quando desejei reunir todos os pedaços de ternura soltos ao meu redor. Eu surtei de amor quando consegui entender que namorar é muito mais uma definição da alma do que das convenções. Surtei quando vi meu coração lembrar de você, mesmo quando o você não fosse meu, não fosse aquele amor de sessão da tarde, não viesse com alianças douradas e uma flor. 

Eu apenas surtei de amor quando o frio me abraçou hoje e não me deu espaço para outras metades, outros desejos, outros corpos inteiros. Apenas para recomeços em salas de espera de qualquer consultório sentimental por aí.

Texto de Patrick Moraes

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Procura-se


"Uma história que
inventa o seu fim.
Um você para mim."
adaptado de Tulipa Ruiz


Procura-se um amor desses todo errado. Sem cartas românticas, sem apelidos de casal enjoado, sem abrir a porta do carro. Um amor que no primeiro encontro te leve para tomar uma cerveja e não um vinho acompanhado de um jantar. Um daqueles amores que prefere esquentar os pés embaixo da coberta a dormir de conchinha.

Procura-se um amor ocupado, sem tempo de te lembrar o dia inteiro que você é especial. Um amor que durma enquanto vocês assistem ao filme que ele tanto pediu ou se quer se dê conta de quem está cantando naquele show do final de semana ao seu lado.

Procura-se um amor atormentado, desses que desconfia por tanto amor mal acabado. Mas um amor que morra de ciúmes e só consiga resolver tudo depois de meia hora de papo e uma hora de sexo. Um desses que te satisfaça sem pudores, mas te respeite como a coisa mais rara que ele já conquistou um dia.

Procura-se um amor que te acorde com um beijo. Daqueles que te faça arrepiar quando esfrega o rosto no seu cangote. Um amor que te alucine com um sorriso de canto de boca ou um simples piscar de olho indiscreto no meio de uma reunião de família. Um amor desses perigosos, que te arraste para o canto mais escuro de uma festa prometendo te roubar por apenas alguns minutos.

Procura-se um amor sem o puro amor. Um amor com o mero desejo de amar. Desses que seja capaz de amenizar os defeitos, os porres e os enjoos de final de domingo. Um amor que, no fundo de tudo, não exija busca, nem exaustivas caminhadas. Um amor que seja só descobertas.

Texto de Patrick Moraes

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Um sofá a dois


"Quando eu acordo do sono, sua sombra desaparece, sua respiração é só a névoa do mar envolvendo meu corpo."
The Corrs

Olhei para o sofá e você ainda estava lá. Deitado, com olhos perdidos, assustados na confusão de pensamentos que você nunca aprendeu a organizar. Ainda passava a mão pelo cabelo de loiro indefinido. Ainda sorria todas as vezes que se dava conta da minha presença em meio a sua absorta multidão.

- Não sei como consigo te amar tanto em tão pouco tempo.
- Não sei como você consegue lidar com tantos fantasmas em tão pouco tempo.

Sorria gracioso com as minhas poucas verdades. Talvez nunca se deu conta de que nossos estágios de vida eram nosso principal desafio. Duas escadas e tanta vontade de alcançar o terraço um do outro que nem percebia as mãos calejadas e os pés cansados.

O olhar de criança em mim e as preocupações de adulto precoce em você. Os sonhos de um sentimento cheio de estranhezas, purezas e doçuras. Os pesadelos de uma vida preenchida por tortos olhares em busca de apenas um ponto falho para cruzar a nossa linha tênue entre o amor racional e o amor dilacerado.

- Noite passada, sonhei que você ia embora. Era de manhã cedo, fazia frio, a janela ainda estava embaçada pela neblina lá no alto. Abri os olhos e não te encontrei mais do meu lado. Parecia tão real, parecia tão preciso.
- E se um dia isso acontecer? 
- Você quer se perder de mim?
- Nunca.
- E por que pergunta?
- Porque preciso saber como cuidar do seu coração mesmo estando longe.

Deitei do seu lado como se aquele sofá fosse o menor dos mundos e o maior dos sentimentos. Os olhos ainda brilhavam, não sei se de medo pela possibilidade de um coração cuidado de longe, não sei se de alívio pela certeza de que, dilacerado ou não, havia amor ali. Segurei sua mão, coloquei em meu peito, fechei os olhos e pude sentir pela última vez o que chamaria de afago na alma.

- Você nunca vai poder cuidar do meu coração de longe. Você nunca vai conseguir fazê-lo sorrir se não estiver perto de mim. Ainda que a tua distância seja atravessar o oceano de ilusões perdidas, ainda que os nossos corpos ocupem lugares tão mais distintos quanto o sol e a lua, eu te guardarei aqui dentro. Sem sorrisos, sem afetos, sem doçuras. Mas ainda com uma imensidão das nossas lembranças dispersas pela brisa do tempo.

Texto de Patrick Moraes

domingo, 28 de abril de 2013

Os 23


"Percorremos uma longa distância para pertencer a esse lugar, para compartilhar essa vista da noite."
Jason Mraz


Hoje eu acordei com um pouco mais de frio. Nas costas, um peso por perceber que mais um ano se passou. Mesmo que me faltem rugas ou cabelos brancos, algumas experiências me afastam daquele menino de anos atrás. Deixei para trás os sonhos de um amor ingênuo dos 17 e a vontade assustadora de sair de casa para conhecer um outro mundo. Lembrei dos tropeços aos 19 com um amor que parecia ser eterno e ainda vejo algumas cicatrizes por aqui se fechando, mas incapazes de sumir. Cresci ao lado daquela determinação rumo ao que se quer, mesmo que o meu sonho não fosse o sonho de todos.

Ainda carrego as amizades dos 15 com a certeza de que o tempo diminui o contato daqueles que um dia amamos assustadoramente. Ainda sofro com alguns machucados que talvez não sejam possíveis ver depois que coloco aquela melhor roupa ou visto o melhor sorriso todas as tardes. Desisti de lutar contra o medo do inesperado. Não faz sentido levar uma vida sem surpresas e sem mudanças. Mesmo que doa, mesmo que me cause calafrios, definitivamente, eu quero que me arranquem lágrimas dos olhos e não importa por qual sentimento.

Costumo ouvir que envelheci mais rápido que os meus 23. Preocupar. Proteger. Guardar. Complexificar. Até verbalizar demais e praticar de menos. Talvez faltem mesmo os cabelos brancos para simbolizar o tempo, mas incapazes ainda de definir a experiência sábia onde pretendo chegar. Ainda escondo em mim os olhos de criança assustada com o amor e o riso frouxo com as piadas mais bobas em rodas de amigos. Ainda cultivo o desejo do "pra sempre" em cada relação que me desperte a euforia do querer bem. Mesmo que os fantasmas de hoje já não sejam os mesmos de antes, ainda me encolho embaixo da coberta com medo que alguns me atinjam.

Entre lágrimas e sorrisos, machucados e carinhos, desamores e paixões.
Entre doces e amargos, sonhos e despedaços, aprendizado e insistência.
Entre tudo, tantos e alguns detalhes que desapegarei com o tempo.
Os 23 chegaram, menino.

Texto de Patrick Moraes

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Fragmentos de você



I tried to find the sound, but then it stopped. 
Florence + The Machine

Engraçado que, meses atrás, qualquer ruído era simples acaso, vento atrás da porta, bilhete velho que voava de dentro do livro de trezentas páginas que eu esquecia sempre em cima da cômoda. Engraçado como sempre fiz do meu coração um refúgio de pessoas, sobrepostas quase que sucessivamente em um ritmo alucinado e incontrolável. Nunca houve tempo de descanso, jamais existiu sequer um minuto para sentir vazio. E se depois de você veio um amor tão real quanto inteiro, os últimos dias do menor mês do ano me fizeram pensar desesperadamente em como seria se eu resolvesse juntar os pedaços que fragmentei do nosso amor.

É, te amei. Em migalhas mal resolvidas, em desculpas mal contadas, em segredos que te machucaram e me doem. Sinto da maneira mais vazia o que você sentiu em um tempo em que bastava eu te acertar os ponteiros e seguir viagem. Sinto que mesmo existindo um abismo de diferenças, bastava um voto de confiança na tão famosa coragem. Talvez você não foi capaz de espantar meu medo, mesmo que fosse capaz de me mostrar que estava inteiro pra mim. Eu simplesmente rejeitei a possibilidade de te fazer meu por mais tempo, por um tempo mais firme, por algo que todos pudessem olhar e dizer que era amor.

Meu álbum de fotos continua aberto aqui, ao lado da mesa onde escrevo essas palavras soltas, nostálgicas, estranhas. Nunca me permiti juntá-las depois que você se foi. Nunca me permeti senti-las depois que nos encontramos e nos perdemos e nos encontramos de novo em outros abraços. Nunca me permiti dizer que ter saudade de você era normal, mesmo que toda nossa história fosse um apanhado de contos que jamais seria grafada linearmente.

Não espero que você volte. Não espero que a gente se encontre. Só espero que todos os fragmentos de você possam se acomodar de uma forma menos perturbadora dentro de mim.

Texto de Patrick Moraes

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Uma xícara de chá

- Mãe, meu chá acabou!
- Não tem mais, filho.
- E de outro sabor? - implorava com olhos nostálgicos e sedentos.
- Você não iria querer misturar com as últimas gotinhas grudadas em sua xícara, iria?


O pano de mesa continuava florido, mesmo que, mais cedo, você tivesse derramado chá e, sem querer, o amargo da sua boca ainda refletisse na falta de açúcar do pote transparente. Aproveitamos a sua derradeira falta de atenção e resolvemos nunca mais marcar outro café daqueles. Nem chá, nem suco, nem água, nem um oi. Não combinávamos mais com torradas, geleias, toalha de mesa de morangos ou mesmo duas xícaras de louça japonesa com sachês usados no pires.

Rearranjaram as cadeiras e a que sempre foi sua puseram intencionalmente do outro lado da casa, escondida no sótão para que eu nunca fosse capaz de ir buscar. Meu medo de escuro só perderia para minha rejeição por poeira, exatamente como nós dois provavelmente acabaríamos: empoeirados e escondidos. Por medo, acreditei que a nova combinação de cadeiras da sala de estar ficaria incrível com o tempo. Por saudade, acreditei que era tudo uma questão de costume. Por amor, fugi da cama à noite e fui a passos curtos e miúdos naquele esconderijo onde te guardaram só para mais uma vez saber que você estava lá.

De manhã, as cadeiras, os chás e a toalha de morangos sorriam em tons de bom dia, sem saber que naquela noite eu quebrei o acordo de aceitar mudar a sala de estar por pelo menos alguns dias. Abri mais um sachê do último chá que dividimos e percebi que pouco importava se os outros sabores eram deliciosos. Hoje, era só o seu aroma que eu precisava pra sorrir mais uma vez. Mesmo que dessa vez eu só precisasse de uma xícara e a sua cadeira.

Texto de Patrick Moraes

"Pra onde elas vão? Embora." Cícero

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Desaprendendo


"The past is on the cutting room floor, the future is here with me. Choose me!"
Smash


Sentei cheio de palavras e com uma confusão de sentimentos em frente ao papel amassado de ontem à noite e descobri que de repente desaprendi um mundo de coisas. Desaprendi como é seguir todos os dias passos solitários e determinados, que sempre rumam em uma direção com poucos desvios. Desaprendi a sonhar com outros amores que ainda não pousaram por perto, mas que estão chegando de algum jeito mítico e especial. Desaprendi a escrever em papéis amarelos borrados levemente de caneta por algum pensamento descuidado.

Respirei fundo e olhei para a tela toda branca em minha frente e uma barrinha piscando. Fechei a tela e resolvi arriscar construir um palácio de palavras em qualquer encontro trivial de conversas. Desaprendi o que era sorrir com os olhos, mas logo tratei de reaprender o que era fechar os olhos envergonhado por tamanha troca de bobeiras charmosas e casuais.

Ainda me sinto incapaz de reaprender a construir outro amor todo cheio de entrega como desenhos rabiscados de caneta vermelha. No fundo, não sei por quanto tempo devo permanecer tentando segurar você dentro de mim. Acho que desaprendi a ter noção de tempo desde o dia em que segurei sua mão pela última vez e te vi partir pela porta do meu carro. Desde lá, vim aprendendo a seguir sozinho, com um nó no coração que vai folgando todos os dias pelos afetos ao redor. Com todos nossos meio sorrisos desenhados com pincel de uma aquarela bem novinha, preciso que você vá.

Por mim, por você. Pelo que a gente escreveu até hoje sobre nosso amor.

Texto de Patrick Moraes

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Primeiro de janeiro


There's no other love just like this. [Rihanna]

Aquele dia meu coração resolveu escrever uma carta de despedida. É. Daquelas que a gente engole o choro e pede inspiração para saber a palavra certa para começar. Não existia certeza de nada que não fosse o amor. Minto. Existia a raiva do destino, que simplesmente atiçou no vento a única coisa que eu tinha construído com paciência e dedicação. Mesmo assim, escrevi.

"Você foi o que eu mais amei nos últimos meses e o que eu levarei todos os dias do próximo ano. Um ano que já vem pintado de cinza. Sem tons. Sem vida. Sem você."

As lágrimas simplesmente se misturaram com o sorriso que fingi. Por impulso, trai aquele coração amargurado, saudoso e impaciente. Sai correndo e me atirei no escuro de um lugar que foi nosso. Desisti. Eu tinha sido o mais fraco; eu tinha sido simplesmente aquele que soltou a corda da paciência e partiu o que chamamos de 'nós dois'. 'Nunca' poderia ser o advérbio-consequência daquela noite. Desde então, meu coração nunca mais me perdoou.

Na manhã seguinte não fez sol.
Na manhã seguinte, você se escondeu.
E na outra e na outra e na outra.

Um belo dia, me lembraram que nem sempre o destino acompanha o roteiro do coração. Nesse dia, despi o luto, a alma e as lágrimas. Minutos depois, vesti um sorriso, uma nova crença e a saudade. Aquele dia fez sol. Foi aí que eu descobri que, ainda assim, você continua fazendo sombra na parte que eu traduzi em mim como amor.

Texto de Patrick Moraes