quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Breve adeus

"O não-lugar que faz-se sempre o meu lugar."


"Oi, você.

Não queria te acordar tão cedo para deixar meu abraço mais carinhoso. Acho que seria mais doloroso ver meu ônibus partindo e você do outro lado da janela, em pé, olhando perdido para um horizonte infinito e tão cheio de perguntas. Te dei um beijo silencioso assim que levantei daquele lugar que ontem tornamos só nosso. Como você não se mexeu, te cobri novamente e abri a porta com o máximo de cuidado possível. 

Ajeitei todas as roupas na mochila e terminei de me vestir na sala para não te incomodar (na verdade, para não te assustar dos sonhos claramente deliciosos e entregues pelo seu riso maroto). A propósito, a minha camiseta velha de ontem ainda guarda o cheiro do seu perfume. E seu perfume ainda guarda as memórias da nossa noite e das nossas tantas conversas.

Pensei em te ligar mais tarde, quando já estiver há milhas e milhas distantes de você. Mas ouvi sua voz seria uma tortura para meu pobre coração que se perdeu. É, tento acalmá-lo com os velhos discursos de “tudo vai ficar bem” ou aquela frase que você me disse: “não fica assim, um passo de cada vez”. Acredita que ele é tão marrento que bate descompassado em sinal de rejeição a toda essa teoria fajuta feita para enganar a saudade?

Deixei o café coado na chaleira e a geleia junto com as torradas em cima da mesa. Não esquece de ler aquele texto da faculdade e nem de continuar as análises do seu trabalho. Ah, se der, escreve de vez em quando contando como está. Preciso mesmo ir, meu ônibus sai em quinze minutos e não posso insistir para o motorista esperar eu ter apenas mais uma manhã de amor ao teu lado. Ele não entenderia. Ninguém mais entenderia o quanto seu sorriso largo tem sido predador de mim nos últimos dias.

Um beijo afável em cada pedaço de você. Se cuida!

PS: Desculpa as manchas em forma de pingos no papel. Meus olhos estão irritados pela partida e não consegui controla-los."

Carta de Patrick Moraes

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Ventania noturna


Depois de desembarcar subitamente em sua vida, te descobrir era como acordar de manhã e procurar um novo poema nos livros de Pessoa. Não, você não fazia muito mistério. Seu riso aberto, aquele que me apaixonei no seu álbum de fotografia, era como a porta de entrada para eu me sentir em casa. Se em sua sala de visita os papos pareciam ter sido continuações de longos anos imaginados e reais de amizade, era hora de descobrir o que os lençóis do seu quarto diziam.

E veio a tua pronta resposta para o meu olhar que explodia de vontade. Veio meu toque em seus cachos tão macios e cheirosos quanto a tua pele. O riso contido de duas crianças se escondendo, brincando de se amar por baixo de cobertas e entre paredes. Veio aquela luz da lua, que mais piegas não poderia ser, iluminando o quarto quase abandonado. Parecíamos estar tateando o desconhecido, conhecendo cada parte de bonecos que reagiam ao toque, aguçando cada sentido para poder realizar os mais sensíveis prazeres.

- Posso? – perguntei com o olhar que exalava vontade de te descobrir.
- O quanto você quiser.

Seus olhos fechados, seus dentes mordendo os lábios, seu corpo que se contorcia como quem tenta fugir das prisões dele próprio. Eu te prendia: mãos, pulsos, sentimentos, prazeres. Eu sorria, de canto de boca, para te mostrar o quanto era divertido te tirar do estado normal. Enlouquecer você devagarzinho era a minha diversão daquela noite.

Fui dividindo o meu corpo com o teu pela primeira vez sobre um colchão nu. A coberta no chão, o vento frio que vinha da janela aberta e dois corações que iam respirando. Agora eu tinha teu corpo jogado em cima do meu e sabia como era te querer, ainda mais, desde a primeira vez em que te vi. A calça de moletom ao lado da minha camiseta eram a prova de que você me teve aquela noite. Os olhos cansados e o suor da sua pele eram as marcas de prazer que só a lua foi capaz de observar.

Foi a nossa intimidade fugida, sorrateira, macia. 
Foi o meu desejo de te raptar.
Foi apenas a vontade de viver dentro do seu corpo.
Em outras noites de lua ou em ventos frios dos próximos invernos.

Texto de Patrick Moraes

Texto escrito para o Esquinas inspirado na música "Sim" de Nando Reis.