quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Vodka com bem coca


"Turn it up heat it up I need to be entertained" (Adam Lambert)

Sabe aquele tempo em que você saía na rua a qualquer hora, tinha sempre uma companhia e desejava todo final de semana aproveitar cada segundo antes que chegasse segunda de manhã? Antecipava o feriado, esquecia sua cidade, pensava mesmo que se amarrar não era para os espertos que quebraram a cara um dia como você.

Pois é, deu saudade daquele tempo. Das madrugadas do clube do bolinha, das histórias que só as paredes escondem, dos medos que compartilhamos e das experiências que um dia prometemos contar para os nossos filhos. Parece que vivi em um mundo diferente que me cabia bem, dentro de limitações, mas com minha pessoalidade respeitada. Os amigos eram mais confidentes, mesmo que a confiança não fosse eterna, mas dividia momentos importantes naquele momento. Passei a me isolar do mundo e, pra ser bem sincero, se não é pra estar entre os que me sinto bem, dispenso a presença forçada. Gosto de ser espontâneo e não tenho medo de ser eu. Tenho minhas crises, meus desesperos, mas parece que ocorre certo equívoco de definições. Nunca me abstive em função de ninguém, nunca precisei esconder o que realmente me faz feliz. Só não tolero mais tanta coisa mesquinha, tanto burburinho medíocre, tanto fingimento. Pra ser feliz não é preciso pensar em tantos. Pode ser egoísta, mas que pensemos primeiro em nossos umbigos. Como dizia minha avó, quando o umbigo dói, quem está do seu lado nem quer saber de nada. Só sei que cansei dessa vida que mudou. Água com açúcar perde o efeito quando a mesa de bar se acende. As histórias que ficaram para trás me parecem bem mais interessantes que essa simplicidade de momentos. Não quero aventuras eternas, nem as loucuras impensadas que cometi, só quero fugir do habitual. Saber que hoje a crise consome minha noite, mas que amanhã nem eu mesmo respondo pelo destino. Enquanto isso, um copo de vodka com bem coca.

Texto de Patrick Moraes

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Sol de primavera


"Come away with me and I'll never stop loving you"
(Norah Jones)


E no final daquela tarde o vidro do carro parecia refletir um desejo angustiado. Olhou o sol que insistia em se pôr e com ele o final de semana ia embora. Ou o pesadelo terminaria ou de repente mais uma tempestade estaria por vir. Era melhor acreditar na certeza de uma manhã clara e uma rotina tão agradável como antes. Pensou na escada, nas tardes do primeiro mês, no sorvete de domingo, nas surpresas da sexta, nas ligações da semana. Sentiu um arrepio na nuca, parecia criança sem brinquedo, adulto sem razão. Explicação era o que menos queria, só sabia que não podia perder todos os grãos que havia plantado, queria ver crescer e bem de perto. O cheiro de pele, o desejo daquela noite, os corpos, os beijos, tudo parecia ter sido escrito nas páginas de José de Alencar em mais um romance. Os olhos de cólera de Capitu talvez tenham encarnado em outra figura, já não sabia até que ponto a inocência dava lugar às más intenções. E maldade nesse caso era o ponto alto de uma sedução. Queria mesmo mostrar que podia, queria ver prazer nos olhos, ver escorrer sobre os dedos a vontade de mais.

Chegou ao décimo e viu que mais um capítulo estava escrito. Com borrões e à tinta preta. Com adornos alternados de espaços vazios. Só lhe restava a lembrança, o coração que apertava parecendo sufocar. Sabia o que era aquilo tudo, mas preferia dizer que era coisa só dele. Aprendeu a ser forte, a não ceder o coração tão fácil, mas perdeu tudo isso quando o segundo mês chegou. Quem disse que ter medo do amor é coisa dos bobos, não sabe de verdade o que é amar. Agora a janela do quarto mostrava um outro pôr do mesmo sol. Com a destreza que tinha, aprendeu um pouco de Narciso, juntou forças e olhou certeiramente para o ego. Mesmo assim, não queria ser só ele, preferia ver as sementes se tornarem árvores, para que a maçã fosse o fruto da tentação, dividida em dois únicos sentidos.

Texto de Patrick Moraes