quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Dorme aqui hoje


Para ler ouvindo "Se Tudo Pode Acontecer"

Deita aqui do meu lado e não precisa dizer mais nada. Sem compromisso de ligar no dia seguinte ou deixar um bilhete de despedida no criado mudo. Só deixa eu ser teu porto nesses dias de maré alta. Me abraça forte e deixa que o perfume do teu corpo me faça acreditar que amanhã tudo vai ficar bem mesmo sem você.

Dorme aqui essa noite. A gente divide o café e as piadas bobas. Nem precisa falar sobre seu dia, muito menos sobre o seu passado. Mas se quiser, meu colo será seu melhor abrigo. Às vezes, desabafar alivia aquela angústia inesperada no fim do dia. Às vezes, combinar nossos silêncios é o suficiente para acalmar um peito inquieto. Só não levanta e bate a porta. A cama é grande demais e o seu abraço ainda é a melhor coberta nas noites frias.

Deixa eu fazer tuas vontades. É que teu riso afasta toda possibilidade de tristeza, e meu coração anda querendo se aninhar na felicidade. Prometo te deixar ir embora quando tudo parecer ficar sério demais, quando as coisas perderem a leveza, quando o casual ceder lugar para as imensas complicações que a gente insiste em provocar. Você sabe, a gente ainda teme começar de novo e acha melhor seguir em frente sem riscos de sofrer, mesmo que isso signifique arriscar o amor.

Espera. Não fica triste! Eu tenho preferido deixar tudo claro para que teu peito não desperte à toa. Meu coração odeia ser acordado em vão e, quando não se irrita, ele chora pelas perdas que a vida traz. Não sei se a gente aguentaria outra aventura em busca de um final feliz, mas minha intuição nunca foi boa quando se trata de amor. Melhor não esperar nada: nem do amanhã, nem do acaso.

Só fica um pouco mais. Mais um abraço, mais um cochilo, mais um sorriso daqueles que aperta os olhos. Eu sei que o nosso combinado era não pedir mais, mas é que, no teu peito, meu desassossego vira paz. Não se perde de mim e nem deixa eu me perder. Mesmo sem promessas, é o conforto da tua companhia que eu tenho desejado todas as noites. Não se apressa, nem se atrasa. Apenas fica.

Texto de Patrick Moraes
Foto de Mateus Palmeira

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Onde você guarda o preconceito?


Para ler ouvindo "Bossa"

Por onde anda teu preconceito, menina? Tem se escondido nos cachos negros que balançam nas esquinas de uma liberdade ou tem dormido nos afetos que andam gritando por aí? Me conta, menina, teu preconceito está por baixo das minissaias e dos pudores que carregam os olhos alheios ou vivem nos beijos de dois meninos em meio à praça central? Será que teu preconceito andou perdido em balanças e etiquetas luxuosas ou se refugiou nos sonhos daquele moleque da favela que só quer ter um nome e o direito de ser feliz?

Por onde andam tuas desculpas? Adormeceram no que te convém para despertarem com os tais valores convencionais que te formaram? Ou caminham juntas ao discurso de viver uma relação de amor e poréns? Será que a aceitação que você anda gritando por aí não tem andado negando os direitos de quem você diz amar? Será que a tua sabedoria não se perdeu em nome de uma fé que não atende nem as tuas próprias dúvidas?

Não sei bem, menina, mas as boas intenções que você diz esconder no peito não andam se mostrando em tuas falas ou teus gestos. Desculpa te contar, mas o que a gente guarda não afaga o peito de ninguém. As intenções não defendem quem sofre, muito menos confortam quem se machuca todos os dias. As tuas omissões, menina, não abraçam quem engole as dores a cada nascer do sol só pela vontade de ser feliz sendo quem é.

Eu sei que você também deve chorar todos os dias por alguma ferida que abriram em teu peito e disseram que a escolha era absolutamente sua. A vida tem se tornado um verdadeiro caos em busca de uma verdade que nunca existiu. Parece que o amor ao próximo tem se confundido com o ódio seletivo, com uma crença perversa, com uma moralidade que desconhece as diferenças humanas. Às vezes, olhar nos olhos do preconceito dói, assusta, faz a gente sair correndo e se esconder até que tudo passe. Mas não passa. O ser humano não aprendeu a fazer da vida um lugar mais terno e sorridente. O ser humano tem matado o respeito com a desculpa do pecado.

Desculpa te dizer isso, menina, mas é que mora em tuas mãos o remédio contra esse mal que machuca todos os dias alguém a tua volta. Não faz com que a dor do outro seja apenas um exagero de quem se diz vítima do preconceito. Lembra que, todas as noites, alguma ferida guardada em você vai latejar aquilo que mais ninguém consegue perceber. Se apronta e seja corajosa. Não tenha medo de parecer desafiar as normalidades que andam te dizendo ser de boa-fé. No fundo, quem luta pelo direito de cada um ser quem é luta pelo amor. E qual bem melhor do que aquele vindo de quem ama?

Texto de Patrick Moraes
Foto de Geovane Peixoto