quinta-feira, 5 de junho de 2014

Um nó, o verso e você



Eu lembro quando você passou pela porta com uma mala pequena nas mãos e nenhuma resposta na boca. Você foi embora e esqueceu de deixar comigo qualquer certeza. Ainda tinha algumas camisas suas no guarda-roupa e dois livros velhos na escrivaninha. Nenhum deles era seu favorito, mas eram seus. Olhei seus passos pela janela e, enquanto eu te perdia de vista, meu coração apertava quase sufocando. Era o amor querendo me matar naquela noite. Era a minha falta de amor dizendo que eu precisava de todos os seus livros empoeirados na minha estante, de todas as suas roupas arrumadas em nosso armário e de você deitado do outro lado da cama.

Aos poucos, o ar foi aliviando o nó que apertou quando você partiu. Enquanto a saudade me lembrava a tua falta, a tua falta me lembrava que não há passado capaz de manter qualquer nó. Foi você mesmo quem me disse que amar era ser livre, e eu tratei de ir folgando aos poucos a corda que você me entregou no dia em que disse me amar pela primeira vez. Não fazia sentido permanecer com ela quando as certezas fugiram dentro da sua mala. Era o tal do amor próprio batendo na porta para ocupar o seu lugar na cama.

Seis meses depois, decidi que era hora de abrir as janelas e descer as escadas. Descobri que não era fácil gostar de um cheiro diferente do seu, muito menos desejar que as taças de vinho e as conversas triviais durassem mais que uma noite. Mas era preciso seguir. Quando alguém não te mostra que ainda há espaço para você na vida dele, é preciso repensar onde se deve descansar o coração. Talvez o nosso amor não coube naquela mala. Ficou para trás, diluído entre nossas diferenças e a sua mania de determinar o tempo certo para as coisas que são nossas e não suas.

Não deu para esperar você voltar. Nem para buscar seus livros, nem para que você apertasse o nó e dissesse que me queria de novo. Não sei se você bateu na porta ontem de manhã. Tive que sair em busca de novos sorrisos e acabei deixando trancada a esperança de te ver voltar. Não sei se você ainda lembra daquele verso de Pessoa que você tanto gostou quando te entreguei seu presente em nosso último aniversário. “Há tanta suavidade em nada se dizer e tudo se entender”. Talvez ele tenha feito mais sentido hoje, mas foi a sua partida quem verdadeiramente deu cor a ele, ainda que em tons de cinza.

Na ausência das palavras que me sufocaram, fui incapaz de ver a falta e acabei deixando que o amor próprio seguisse contigo naquela noite. Na sua ausência, fui capaz de entender toda a sutileza prazerosa que é enxergar as cores do amor dentro de mim. Se ainda quiser voltar, venha. Os dois livros empoeirados ainda esperam um espaço em sua mala. Já o nosso amor... fugiu pela janela.

Texto de Patrick Moraes