quinta-feira, 31 de março de 2016

Sobre ele


Para ler ouvindo "Conversa de Botas Batidas"

Ele prefere falar em primeira pessoa, se declarando entre pedras e rosas. Descobriu cedo que só vale a pena se importar com aquilo que vem de dentro. Se não provoca nada, não merece tanta atenção assim. Na verdade, ele é amante do acaso. Gosta de como a vida apronta surpresas e debocha de quem tem pressa. Gosta da mansidão do (a)mar, da leveza do sorrir, da luz dos olhos que clareia os pensamentos mais nebulosos.

Sempre soube que foi feito de coração e alma. Ainda que lhe falte um amor, lhe sobra o amar. Aprendeu que só é possível estar completo quando vale a pena estar sozinho. Entendeu que ninguém é capaz de preencher o vazio no peito se não há disposição para reconstruir sozinho os pedaços que estão em falta. Cresceu ouvindo que a solidão é triste, mas resolveu acreditar que a lua pode ser tão bonita quanto às constelações. No fundo, ele sabia que a beleza mora naquilo que traz paz.

Amou uma vez e jurou nunca mais amar de novo. A dor da perda parece irreparável e a decepção parece imperdoável. Mais tarde, descobriu que não era capaz de abandonar os riscos de ser feliz. Resolveu amar de novo e de novo e mais uma vez, quantas vezes fossem necessárias. É que o amor é infinito para quem acredita naquilo que é pleno, e ele sonhava em tornar eternas as borboletas que cultivava dentro de si.

Ele nunca gostou de distâncias, dessa coisa de ver a saudade fazer morada em dois peitos que só desejam estar juntos. Já chorou pelas ausências eternas, já teve o peito sufocado pelas ausências temporárias. Já brigou consigo mesmo por insistir em amar sem razão, por deixar o coração mandar no compasso da vida. No fundo, ele só queria dar abrigo eterno à ternura dos sorrisos, sem precisar fazer uma prece todos os dias para que as aflições da vida fossem discretas e passageiras.

Texto de Patrick Moraes
Foto de Lucas Lima

sexta-feira, 18 de março de 2016

Desapega


Para ler ouvindo "Liberdade"

Desapega dessa ideia de que ele é o cara certo. A vida real não é feita de príncipes, castelos e felizes para sempre. No final de todo conto de fadas, existe uma realidade em forma de continuação. Desapega das lembranças dos primeiros meses e do peito em que você deitou algumas noites para fugir do mundo. A vida real é feita de momentos, e o tempo é o grande inimigo de quem deseja congelar qualquer sentimento.

Desapega dessa mania de dormir e acordar pensando nele. Aprende, de uma vez por todas, que você não consegue lidar com seus afetos excessivos. Desapega do perfume dele após o banho ou até daquele cheiro que fica grudado no travesseiro depois que ele vai embora. Desapega das músicas favoritas que ele cantarola o dia inteiro quando acorda de bom humor e da comida preferida que vocês costumavam dividir naquele restaurante da esquina.

Desapega dos sorrisos que combinaram por tanto tempo, mas que vem amarelando ultimamente quando vocês se encontram. Desapega do primeiro poema que ele dedicou para você e de todas as vezes que ele parecia ter sido o melhor presente que a vida trouxe. Desapega da casa com quintal, dos dois filhos e até daqueles programas furados que vocês conseguiam se divertir apenas por estarem na companhia um do outro.

Desapega da ideia de que sofrer é parte do amor. Apaixonar-se não é uma forma de automutilação. Viver o amor é dividir a vida de forma terna, tornar mais doce o que naturalmente virá amargando. Não precisa colocar tanto sofrimento no que nasceu para ser belo. Amor quando pesa precisa de desapego. Talvez seja a hora de você encontrar a felicidade naquilo que te faz livre.

Não precisa desistir do amor. Se bem lhe conheço, mais cedo ou mais tarde, você descobre uma nova forma de se apegar ao que virá. Só não esquece o quanto é especial tudo que você cultiva aí por dentro e nem deixa morrer a pureza dos seus sonhos mais doces. Permita-se viver a leveza de se bastar no melhor que mora em você. Para ser feliz de verdade, é preciso apaixonar-se todos os dias por quem você é.

Texto de Patrick Moraes
Foto de Ricardo William

domingo, 6 de março de 2016

As histórias que ele contava por aí


Para ler ouvindo "Lost Stars"

Ele nunca foi bom com histórias reais. Sempre tropeçou nos primeiros meses, nas primeiras falhas, nos primeiros desencontros que chegam depois dos primeiros beijos e antes do “felizes para sempre”. Ele sempre foi bom mesmo nas histórias contadas em filmes e romances de sessão da tarde. E não é por falta de sentimento. Na verdade, ele sempre escorregou nos excessos. Sentia tanto que não era capaz de caber em si. 

É que ele guarda no peito uma espécie de bomba relógio e qualquer pequeno detalhe é capaz de causar uma explosão sem tamanho. Ele até tentou ser daqueles que se importa menos do que deve, que vive por si e o que vier é lucro, que não sente a diferença entre um “eu te amo” e o silêncio. Mas ele é feito de poesia, e o silêncio é como a arma letal capaz de anular qualquer confiança de quem sente demais.

Mesmo com medo, ele nunca foi de desistir daquele sonho de menino. A felicidade era como o pote de ouro em dias de chuva com sol, ainda que valesse muito mais a pena observar a caminhada em direção ao fim. Ele sabia que não seria tão fácil encontrar o final feliz, mas insistia. Insistia, mesmo com o descompasso dentro do peito, porque sabia que a indiferença não lhe cabia. Insistia buscando em cada pingo de água um motivo para renovar sua alma, para deixar levar aquilo que não fazia parte do que sonhava em ser.

Mesmo crescido, ele ainda tinha medo do escuro. Suas inseguranças não reagiam bem com a ausência do que pode ser visto. Ainda que os outros sentidos fossem tão preciosos pra ele, o que era exposto tornava as reações mais reais e menos imaginárias. Ele cresceu com receio dos fantasmas do sentir. Se fosse noite, ele procurava se aninhar em algum canto de luz até amanhecer, até que todos os monstros que se escondiam dentro de si pudessem voltar a dormir.

Sempre acreditou em intuição e teimava em ser apenas aquilo que lhe fazia bem. Encher o peito de afeto era quase um mantra, que repetia todas as vezes que o mundo parecesse cinza demais. Mesmo depois de todos os desafetos da vida, ele sabia que cada cicatriz era mais uma prova de quanto ele era forte. Entre erros e acertos, bagunças e aconchegos, gargalhadas e lágrimas, ele sempre encontrava as peças certas para começar e terminar qualquer história.

Texto de Patrick Moraes
Foto de Geovane Peixoto