terça-feira, 17 de setembro de 2013

O terminal


Quanto tempo leva na tua história pra uma história acontecer?
Leo Fressato

Era tarde de sexta quando eles se perceberam. Um lia Platão com seus óculos perdidos em eternos campos verdes. O outro se convencia de que os versos simples de Cícero era o melhor escape para cada escorregada que o seu coração deu ladeira abaixo. Eram vizinhos desde os primeiros passos de vida. Por simpatia do destino, quase foram apresentados nas aulas de textualidade na faculdade. Por ironia da vida, resolveram encarar os intertextos em contextos tão distantes quanto Platão e Cícero.

Cresceram grudados a cadernos, lápis e canetas coloridas. Entre os mais simples rabiscos, ousavam brincar de escrever sobre si. Complexidades, efemeridades, sentimentalidades que, vez ou outra, iam parar em cadernetas velhas encaixotadas a cada mudança. Costumavam dizer que cada desabafo parido nas madrugadas de café em canecas era capaz de explicar uma parte desconhecida de si. E se não explicasse, pelo menos um dedo de prosa serviria para outros olhares se entenderem por aí.

Nunca se viram por mais de vinte anos. Nunca sequer pensaram na real possibilidade de existir um para o outro. Sabiam que um estaria ali para o outro, mesmo que sem a certeza de nomes e feições. Um dia, por ironia do destino, o primeiro deixou de ler Platão e foi ler o segundo. O segundo, enfeitiçado por uma das canções de Cícero, resolveu tirar os fones e colocar os advérbios em seus devidos lugares.

Dizem por aí que o encontro do olhar intelectual com a sensibilidade foi incrivelmente encantador. Pareciam ter dividido as histórias inventadas de uma infância cheia de desenhos, poesia e doçuras. Eram como dois meninos, que se reencontravam após anos, naquela velha estação de ônibus de uma cidade do interior. Ainda não acreditavam que poderiam compartilhar causos, abraços e medos por dias e noites. Ainda roubavam a seriedade um do outro, o silêncio, as certezas, os medos... 

E naquele terminal a lua sorria para as duas metades.
Platão e Cícero.
Poesia e prosa.
Canecas e café.
Melodias e toques.
Palavras e silêncio.
Um e outro.

Texto de Patrick Moraes

Um comentário:

Moraes. V. disse...

Que coisa linda é essa hein? <3