domingo, 14 de abril de 2019

Hoje, eu decidi te escrever


Para ler ouvindo "Cecília"

Não queria estar te escrevendo agora. Desde a minha partida, as coisas foram mudando dia após dia. O parque que costumávamos passear pareceu viver em um eterno outono, assim como nossa relação se encontrava nos últimos tempos, quando fingíamos dividir a vida.

Mas foi melhor assim. A distância, os dias frios de um inverno de luto, a ausência de mensagens, o silêncio ensurdecedor dos nossos sentimentos. Você precisava perceber que asas não são sinônimos de despedidas. Quando o outro pode voar, mas escolhe pousar, todos os dias, ao teu lado, você encontrou o amor. Não existe amor sem aquele sentimento mútuo de encorajamento e de realizações pessoais.

Não queria estar te escrevendo agora porque não sei exatamente como andam as coisas aí, mesmo sabendo como tem se dado tudo por aqui. Ainda tenho medo de não ter apagado tudo de ruim que ficou aqui dentro quando eu fui embora naquela tarde de domingo ou de já não existir mais nenhuma lembrança afetiva de nós dois e eu me dar conta do vazio que venho cultivando.

Mas é melhor assim. Depois de anos, cada dia venho descobrindo o que ainda ficou de você e o que já é passado - mesmo sabendo que nós dois deixamos de ser presente desde quando você não me deu escolhas pra eu ser quem eu simplesmente queria ser. Os sonhos sufocados se tornaram palavras sufocadas. Eu já me desconhecia todas as vezes que olhava para você traçando caminhos que eu não queria percorrer.

Mas eu decidi te escrever pra te contar que depois daquele domingo crucial, eu resolvi que a vida seria escrita com minhas próprias palavras. Não dava mais para sonhar com um final diferente se eu entregasse a narrativa dos meus dias a outra pessoa e esperasse ela ser escrita. Eu precisava abrir o livro em branco e assinar meus próprios termos. Até nas folhas borradas de erros, até com as frases mal escritas que pareciam tão incríveis no afã de momentos que eram meus. Eu precisava assumir o roteiro.

Depois daquela tarde de domingo em que eu parti, resolvi que só te escreveria quando o barulho da porta do seu apartamento se fechando já não soasse tão alto aqui dentro. Quando teu sorriso já não despertasse mais minhas lágrimas. Quando minha saudade afetuosa e audaz já não martelasse no peito esquecendo o verdadeiro motivo pelo qual eu deixei você ali e fui embora.

Na certeza de que ainda me descubro longe de você, eu te escrevo para dizer que escrever minha história tem sido a melhor decisão que eu tomei desde que deixamos de ser nós. Você fez falta. Você era a certeza de que repousar em um só ninho podia ser tão (ou mais) incrível que a sensação de voar. Mas você nunca quis que voássemos e eu nasci pássaro: amante do vento.

Depois de tanto tempo, eu decidi que te escrever agora era a grande chance de te dizer adeus sem qualquer tipo de ressentimento. Sem as mágoas, sem as lágrimas, sem o gosto do beijo ainda nos lábios, sem o tremor nas pernas pela raiva frustrante de ter me enganado outra vez. Eu decidi te escrever porque já não era mais você. Era eu. Sozinho e completo de mim mesmo.

Texto de Patrick Moraes
Foto de Matteus Palmeira

Um comentário:

Alldison disse...

Que incrivel seu texto, li com a musica fez total diferença na hora, adorei de verdade parabéns por cada palavra escrita.