Para ler ouvindo "Suspiro"
A verdade é que você ainda mora em mim. As nossas fotos da viagem de janeiro, os bilhetes amassados com sua letra corrida, os sorrisos que engavetei na lembrança. O anel de brinquedo do seu aniversário surpresa, a dedicatória daquele livro de poesias que ficou meses na minha cabeceira, os beijos roubados. O brilho nos olhos quando nos encarávamos na cama, o cafuné distraído enquanto assistíamos ao seu filme favorito, o encontro de nossas mãos no meio da multidão. A verdade é que tudo isso ainda se esconde aqui.
Nossa casa arejada, nosso filho sorridente, o sonho de sermos melhor a dois. Nosso caso de amor secreto, suas pirraças matinais, nossa promessa de eternidade. Que tolice acreditar no eterno! A verdade é que a gente sempre fica tolo quando acredita completamente no amor. E o que é o amor senão a idealização do bem-estar eterno? Sem se dar conta, a gente inventa esse mesmo amor com a desculpa de ser feliz e corre o risco de desabar depois. No fundo, a gente sabe que o risco é grande, mas prefere ser audacioso e investir alto na possibilidade da fábula do pra sempre.
A verdade é que eu sempre disfarcei bem nosso fim. Acostumei a virar a página, escrever de novo, reinventar o amor nas frases invertidas ou nas reticências que dão o tom final. Aceitei nosso fim como uma verdade que nunca coube aqui dentro. Fingi. Disse adeus, acenei com um sorriso, mas enxuguei os olhos assim que te dei as costas. Era para ser só uma lágrima, mas inundou meu peito. Era para ser só um dia, mas prolongou. A verdade é que eu menti para deixar a vida seguir sem tanto sofrimento, sem você e sem a coragem de assumir que errei ao investir nessa história de amor.
Eu sei, não existe mais volta, muito menos explicações. Para falar a verdade, é esse vazio inexplicável que me faz não desejar outro fim para nossa história. Seria cruel demais resgatar a esperança de consertar o que deu errado. A verdade é que a gente sabe que nosso amor não tem reparo, não tem conserto, não tem segunda chance. Danificou assim que decidimos desistir de nós dois e da promessa de sorrir até mesmo quando nada desse certo. A verdade é que os arranhões não cicatrizam se a gente insiste em cair no mesmo lugar todas as vezes que decidiu levantar.
Talvez ainda guarde os pequenos pedaços de você secretamente e resolva relembrar cada vez que a sua ausência doer um pouco. Talvez eu continue mentindo até acreditar que esqueci nós dois de verdade. Talvez eu ainda more em você, me esconda em você, machuque você e provoque toda a ausência do nosso fim em seu peito. Mas, a gente nunca quis explicações para as nossas fantasias, muito menos para as nossas decepções. A verdade é que desistimos de remar. Afundamos. Naufraguei. Mas continuo fingindo que você foi passado e ponto.
Texto de Patrick Moraes
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