Lembro de ter sonhado essa noite com um encontro, desses casuais e inesperados. Era um mago, daqueles velhos que simplesmente mistura simpatia e apreensão. As palavras trocadas foram tão sutis que sou incapaz de remontá-las aqui, seria como tentar colar o delicado abajur que iluminava meu quarto durante a infância. No final, eu lembro de ter lhe perguntado o por quê de perdermos elementos tão essenciais e mágicos em um simples piscar de olhos.
Remontando ainda minha infância, doeu no peito aquele momento inesperado, que só foi capaz de me tirar da boca um "e lá se foi o homem que soube ser homem". E lá se foi o carinho distante, a preocupação discreta, o exemplo mais firme do que é ser um pai de verdade. A sensação de perda é inevitável, é como o pedaço do bolo de aniversário que você achou incrível e simplesmente te levaram. Era como o brinquedo velho que você poderia ter aproveitado mais, brincado mais, aprendido mais, sentido mais afeto, mas que nunca deixou de ser especial nem menos valioso que tantos outros novos. Mesmo sendo a maior certeza da vida, as perdas não dizem quando vão chegar e o fim potencializa surpresas nem sempre agradáveis.
Aí remontei o presente e percebi o quanto já me perderam, quantos fins simbólicos eu mesmo criei. Lembro de ler dia desses que grande parte das pessoas acabam escorrendo, e mesmo que promessas sejam ditas com tanta paixão, elas podem ser diluídas e quebradas sem nos darmos conta. Os amores eternos: até quando acreditar que você vai encontrar uma arara? E se não for uma arara, que seja um tucano, um cachorro ou um simples gato vira-lata. Lembro de perder tanto carinho pela sensação de asfixia, pelo medo de sentir-me amado de forma avassalaradora. Talvez a gente goste mesmo é da sensação de sofrimento e, inacreditivalmente, se olhe na frente do espelho em uma manhã de sábado não querendo acreditar que sempre foi um sadomasoquista sentimental. Certezas que surpreendem já não cabem mais aqui, é necessário não ter certeza de nada, ter frio na barriga e amar incondicionalmente o desafio da conquista.
E esse relativismo que toma conta das certezas também foi a única resposta que consegui daquele mago de dourado. Perder é simplesmente um estágio relativo que todo mundo mais cedo ou mais tarde passa. Involutárias, escolhidas, sem amor, com uma dose exagerada de nostalgia, perdas são encerramentos de ciclos. No fundo, se o ciclo for montado afetuasamente, ele permance aqui dentro, escorregando aos pouquinhos, mas sempre guardando o perfume de uma essência chamada saudade.
cause my heart recalls that it all seems the same.
corinne bailey rae
Texto de Patrick Moraes
Um comentário:
Olá!
Não sei se caí aqui por engano. Mas se acreditas em ciclos, acho que este pode ser um novo que se inicia para mim, já que talvez eu tenho vontade de ler mais um pouco enquanto você posta. Bom texto!
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