sábado, 19 de setembro de 2020

O descompasso de viver a dois

Para ler ouvindo "Nosso Nó(s)"

Hoje, eu levantei e te deixei ali, do outro lado da cama, como de costume, como todos os dias faço desde que você chegou. Admirei teu sono, mas senti o peito apertar de leve. Era como um sussurro amargo de que estamos nos perdendo.

Caminhar junto é precisar parar vez em quando para acertar o passo. Na ânsia de percorrer a estrada, não nos damos conta exatamente da hora na qual nosso ritmo perdeu o compasso. Sentei um pouco, respirei fundo e tentei te encontrar nessa longa viagem que o acaso nos trouxe.

Viver a dois não é tarefa simples, por mais que o amor seja. Viver a dois requer mais que entrega, mais que beijos, mais que sexo. É como se descobrir em muitas camadas que muitas vezes você sequer percebeu que existiam. Olhar para dentro do outro dói. Olhar para dentro de si dói ainda mais.

Viver a dois é precisar se questionar antes mesmo de questionar o outro. Porque as respostas, muitas vezes, estão ali, escritas nas entrelinhas, ditas nos gestos, sentidas pelo olhar ou pelo vazio dele. E quando a gente não consegue ler o outro além das palavras ditas, a gente entende que o caminhar a dois precisa ser ajustado, mesmo que não saibamos a melhor forma.

Hoje, depois do sussurro no peito ao levantar e te ver dormir, eu fiz o café e sentei aqui para escrever. Os descompassos, muitas vezes, se alinham nas tentativas de torná-los letras, frases, textos que, provavelmente, se perderão por aí. E que sejam só os textos a se perderem. 

Eu continuo aqui, tentando respirar em meio a uma pausa na estrada para ver (re)aproximar seus passos dos meus. Ainda que solitário, ainda que melancólico, ainda que impaciente, ainda que sem todas as respostas, eu continuo no caminho por acreditar que viver a dois não é simples, mas tem sido uma experiência extraordinária.

Texto de Patrick Moraes

domingo, 14 de abril de 2019

Hoje, eu decidi te escrever


Para ler ouvindo "Cecília"

Não queria estar te escrevendo agora. Desde a minha partida, as coisas foram mudando dia após dia. O parque que costumávamos passear pareceu viver em um eterno outono, assim como nossa relação se encontrava nos últimos tempos, quando fingíamos dividir a vida.

Mas foi melhor assim. A distância, os dias frios de um inverno de luto, a ausência de mensagens, o silêncio ensurdecedor dos nossos sentimentos. Você precisava perceber que asas não são sinônimos de despedidas. Quando o outro pode voar, mas escolhe pousar, todos os dias, ao teu lado, você encontrou o amor. Não existe amor sem aquele sentimento mútuo de encorajamento e de realizações pessoais.

Não queria estar te escrevendo agora porque não sei exatamente como andam as coisas aí, mesmo sabendo como tem se dado tudo por aqui. Ainda tenho medo de não ter apagado tudo de ruim que ficou aqui dentro quando eu fui embora naquela tarde de domingo ou de já não existir mais nenhuma lembrança afetiva de nós dois e eu me dar conta do vazio que venho cultivando.

Mas é melhor assim. Depois de anos, cada dia venho descobrindo o que ainda ficou de você e o que já é passado - mesmo sabendo que nós dois deixamos de ser presente desde quando você não me deu escolhas pra eu ser quem eu simplesmente queria ser. Os sonhos sufocados se tornaram palavras sufocadas. Eu já me desconhecia todas as vezes que olhava para você traçando caminhos que eu não queria percorrer.

Mas eu decidi te escrever pra te contar que depois daquele domingo crucial, eu resolvi que a vida seria escrita com minhas próprias palavras. Não dava mais para sonhar com um final diferente se eu entregasse a narrativa dos meus dias a outra pessoa e esperasse ela ser escrita. Eu precisava abrir o livro em branco e assinar meus próprios termos. Até nas folhas borradas de erros, até com as frases mal escritas que pareciam tão incríveis no afã de momentos que eram meus. Eu precisava assumir o roteiro.

Depois daquela tarde de domingo em que eu parti, resolvi que só te escreveria quando o barulho da porta do seu apartamento se fechando já não soasse tão alto aqui dentro. Quando teu sorriso já não despertasse mais minhas lágrimas. Quando minha saudade afetuosa e audaz já não martelasse no peito esquecendo o verdadeiro motivo pelo qual eu deixei você ali e fui embora.

Na certeza de que ainda me descubro longe de você, eu te escrevo para dizer que escrever minha história tem sido a melhor decisão que eu tomei desde que deixamos de ser nós. Você fez falta. Você era a certeza de que repousar em um só ninho podia ser tão (ou mais) incrível que a sensação de voar. Mas você nunca quis que voássemos e eu nasci pássaro: amante do vento.

Depois de tanto tempo, eu decidi que te escrever agora era a grande chance de te dizer adeus sem qualquer tipo de ressentimento. Sem as mágoas, sem as lágrimas, sem o gosto do beijo ainda nos lábios, sem o tremor nas pernas pela raiva frustrante de ter me enganado outra vez. Eu decidi te escrever porque já não era mais você. Era eu. Sozinho e completo de mim mesmo.

Texto de Patrick Moraes
Foto de Matteus Palmeira

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Você que me faz continuar todos os dias


Para ler ouvindo "Rainbow"

Você chegou grande quando eu ainda era pequeno. Não parecia sonho, parecia que seria real sempre que eu quisesse. Era como uma melhor amiga, daquelas que te conforta quando seu mundo parece sumir. Ouvia todos os lamentos, deixava as lágrimas secar e dizia, em tom paciente, que tudo ficaria bem. Você era meu alívio nos dias cheios, meu refúgio nos momentos de vazio.

Com o passar do tempo, eu fui acreditando menos em você. Não que eu tenha te abandonado. Acho que eu não conseguiria viver sem você nesse lugar com tanta gente estranha e negativa. Eu precisava que você me fizesse acreditar em sua verdade. Era vital seguir de mãos dadas contigo.

Você nunca desistia. Eu admirava sua coragem de se erguer dez vezes se fosse necessário enfrentar dez quedas. Você era inspiração de muitos, uma espécie de ar quando o mundo sufoca. Isso, você era oxigênio! Era a forma mais bonita de nos manter vivos, de nos fazer levantar cedinho e acreditar que a vida ainda precisa de mais amor.

Entre os meus vacilos e a sua persistência, eu descobri o seu segredo. Você era quase como a famosa Poliana dos contos literários. Você sabia que não valia a pena gastar energia com o que atrasa o passo. Era necessário mais: mais um amanhecer, mais uma chance, mais um desafio, mais uma tentativa de terminar o dia com um sorriso no rosto. Você era como uma semente no meio de um jardim devastado.

Ainda lembro daquele dia na praça, quando aquela senhorinha com cabelos grisalhos me contou o quanto o tempo deixa as pessoas amargas, tristes, rancorosas. "Elas desistiram de sonhar, meu filho". Eu, ainda muito pequeno, não entendia direito como alguém era capaz de desistir de sonhar. Mas eu sabia que você nunca deixaria que eu deixasse de sonhar. Você sabia que sonhar era o impulso diário que nos mantém em pé. Sonhar é a ordem em meio ao caos.

Todas as noites, quando eu penso em desistir, eu lembro que você continua aqui e planto mais uma semente em mim. Mesmo sem a certeza de quando ela irá florescer, plantá-la é uma forma de tornar tudo mais leve. E quando o sol raiar, eu saberei que nosso elo está ainda mais firme e você será sempre a esperança mais forte e companheira que eu carregarei pela vida.

Texto de Patrick Moraes
Foto de Marcelo Morais

Esse texto faz parte do projeto Cinco Lados
"Desafio 9 - Um texto baseado na definição de uma palavra"

domingo, 13 de agosto de 2017

Até quando será sobre você?


Para ler ouvindo "Meu Erro"

Simplesmente não chegou a hora. Eu ainda não estou pronto para ir em frente, para reconstruir todos aqueles planos que a gente cresce aprendendo que é necessário fazê-los. Um futuro a dois, uma casa com jardim, talvez alguns filhos, talvez um cachorro. Todos esses planos foram escritos com minhas risadas e os detalhes dos seus sonhos mais loucos. As sugestões de nome do nosso primeiro filho e o quanto ele torceria pelo seu time de futebol preferido em cada novo jogo. A viagem de um mês na lua de mel e a raça do cachorro que cresceria junto ao nosso pequeno.

É, os detalhes do que fomos não foram embora. Você ainda é o fantasma responsável por eu estar parado nessa mesma estação. Procurar o que fomos em alguém que chegou é o maior erro que podemos fazer para dar novos passos. A gente só consegue ir em frente quando o passado não nos prende mais, quando, de fato, estamos livres para escrever um novo futuro. Mesmo que eu saiba que essa é a resposta para te deixar ir, eu simplesmente escolho não embarcar.

Quantos anos as boas lembranças permanecerão? Quantos meses a esperança viverá? Quantos dias o desejo de te ligar mais uma vez estará aqui? Ainda é difícil saber quanto tempo eu preciso esperar para desistir de você e resolver insistir em mim. Sem a desculpa que não chegou a hora. Abandonar você por completo ainda é uma tarefa que exige esforço diário. Você mora nos pequenos detalhes dos meus sonhos e reconstruí-los exige coragem para encontrar o amor sozinho.

Escrevo hoje de uma forma diferente, com o desejo que você leia sem que eu precise me desculpar em estar te escrevendo. Notei que ainda te peço desculpa em quase todos as últimas cartas que te escrevi: tanto as que escondi, como as que enviei. Meu inconsciente ainda me sabota quando falo sobre você, mas você sabe que não existe qualquer tipo de culpa sobre o nosso fim. Eu precisava ir de um lugar onde você não queria ficar. Você desejava fugir de onde o amor nos exigia coragem para lutar. Já havíamos fracassado antes mesmo de nos darmos conta. Sua falta de coragem nos declarou derrotados antes mesmo do nosso fim.

Eu sei que essa é só mais uma carta que eu escrevo tentando respirar depois do tumulto. Ainda permanecerei nessa estação, inventando desculpas todos os dias para não embarcar até o momento em que não existir mais palavras em minhas tentativas de reescrever uma história que não teve o seu final feliz. Nesse dia, eu saberei o destino da minha próxima viagem, e o medo de desistir de você já não existirá, afinal de contas, não é possível abrir mão daquilo que não temos. A gente só escreve novas histórias quando decide abrir o livro em uma página em branco. Caso contrário, as marcas do passado ainda estarão lá, ocupando os espaços onde deveriam existir novas poesias.

Texto de Patrick Moraes
Foto de Jon Pereira

Esse texto faz parte do projeto Cinco Lados
"Desafio 13 - Um texto inspirado em um poema"

domingo, 23 de julho de 2017

Carta para quando teu sorriso chegar


Para ler ouvindo "De Mais Ninguém"

Te escrevo hoje sem saber muito bem quando você virá, mas eu sei que nossos corações vão se encontrar na hora certa. A casa ainda não está pronta, seu quarto vai precisar de uns ajustes e meu medo de não te fazer a melhor pessoa do mundo ainda precisa de coragem para ser superado.

Te escrevo pensando em mim mais novo, pensando em como foi incrível ter alguém para me guiar quando eu cheguei por aqui. Os primeiros passos encorajados por sorrisos largos, as primeiras quedas seguidas de abraços fortes. Depois a gente vai crescendo e as quedas vão se tornando diferentes. Mas eu espero estar aqui para te acalentar quando o teu mundo parecer estar ao contrário.

Você virá ainda pequena e mesmo que eu ainda não tenha certeza do seu nome ou das suas feições, eu tenho guardado um universo de amor para te entregar. A missão não será fácil, mas prometo ser paciente com seus sonhos e te ajudar a ser cada dia melhor. Em troca, você faz de mim o cara mais sortudo do mundo por poder crescer ao teu lado em coração e alma.

Mas nem tudo será fácil. Haverá os dias em que a vida parece te testar e as cicatrizes que você colecionará com o decorrer do tempo te farão mais forte. O mundo tem sido um lugar cruel para quem acredita em sonhos. Amar se tornou desafio dos que ousam ser feliz. Mas eu espero que você não desista nunca do amor. Faz dele sempre o melhor jeito de seguir em frente. O caminho do bem ainda é a melhor estrada para quem deseja colher bons frutos. Acredite em mim, nenhum atalho compensa essa jornada em busca da realização plena.

Te escrevo também porque esse sonho não será só nosso. Outras pessoas esperam tua chegada com o coração cheio de ansiedade. Você conhecerá cada uma delas e aprenderá a chamá-las de família. Elas podem parecer estranhas às vezes, diferentes quase sempre e barulhentas toda vez que se juntam. Mas elas te farão sentir acolhido quando lá fora parecer frio e solitário.

Ah, antes que eu esqueça, você terá que vencer uma batalha todos os dias apenas por ser uma menina. O mundo ainda tem barreiras para muitos de nós, mas nunca deixe que elas te impeçam de ir em busca do que é seu. Tua liberdade será questionada, assim como o caminho da montanha que você quer percorrer em busca dos teus sonhos. Mas não se intimide, seja corajosa e suba o mais alto que puder com a certeza de que as suas conquistas não derrubarão ninguém.

Eu teria ainda muito pra te dizer, mas vou deixar que todas as histórias se transformem em afeto e que elas te protejam assim que você estiver nos meus braços. Me despeço com um segredo que será nosso e que carregaremos juntos todos os dias: não tem problema nenhum não ser forte o tempo inteiro. Não existe alma onde é vazio. Sentir-se frágil é saber o quanto existe de vida dentro do teu peito.

Texto de Patrick Moraes

Esse texto faz parte do projeto Cinco Lados
"Desafio 15 - Um texto que envolva criança"

segunda-feira, 12 de junho de 2017

Ao teu lado


Para ler ouvindo Sutilmente

Acorda, amor! Vem olhar de novo minha cara de sono enquanto bocejo te pedindo mais dez minutinhos na cama. Deita do meu lado e me deixa aninhar meu corpo ao teu como o maior escudo que a vida poderia me dar. Acarinha meu cabelo daquele jeito que me deixa ainda mais dengoso e me mostra toda paz que o amor é capaz de trazer.

Acorda ao meu lado mais uma vez e me mostra o quanto é inexplicável sentir o peito pulsar quando existe nós. Me conta os teus planos pra mais tarde ou pra vida inteira. Me faz sorrir com tuas piadas bobas logo cedo ou, simplesmente, sorri pra mim como a melhor demonstração de afeto que meus olhos podem ter.

Prepara mais um café na mesa que eu prometo não deixar ele esfriar nunca mais. As torradas, a geleia e uma flor pra te dizer obrigado por amanhecer, mais um dia, na minha vida. A mesa estará sempre posta para os nossos sonhos mais doces. O cabelo bagunçado e o pijama mais folgado dirão que nosso amor encontrou lar onde antes era vazio. 

Acorda nessa segunda-feira e perde teu horário com nossos beijos. Deixa o sol invadir nossa cama e dar bom dia insistentemente para nossos olhos pequenos. Me faz acreditar que todas as noites frias ainda valerão a pena se o amanhecer me trouxer você. 

Acorda, amor, e afasta todo medo do fim que aquele pesadelo me trouxe. Você sabe que, às vezes, a confiança vacila e as certezas se escondem debaixo da coberta nas noites em que você não está. Mas basta teu abraço mais uma vez para eu ter certeza que nosso encontro será eterno, não importa onde estejamos.

Me entende nos gestos e diz que ainda seremos dois eternos namorados, em qualquer tempo e com todas as nossas futuras rugas. Mora em mim e deixa eu fazer meu lar por aí. Só assim, a gente nunca precisará sair de casa para ver o amor sorrir a cada manhã.

Texto de Patrick Moraes
Foto de Victor Macedo

domingo, 4 de junho de 2017

Você ainda mora em mim



Desculpa te escrever dois anos depois, quando todas as dores do nosso fim parecem ter ido embora de uma vez. Mas eu precisava te contar que ainda existe "nós", mesmo que só tenha sobrado silêncio entre eu e você.

A distância que eu te pedi me fez compreender melhor o que sobrou de você em mim. O tempo não foi capaz de carregar tudo que fomos e, por mais que o silêncio traduza todos esses meses depois do fim, ainda me questiono até que ponto somos só vazio. Desde o dia que dissemos adeus, eu procuro entender qual foi o medo que você deixou por aqui assim que partiu.

Na verdade, meu medo nunca foi te perder. O que me assustava, todas as noites, era a ideia de ver tudo que sonhei para mim simplesmente abrir a porta e sair. O que me deixava em pânico era não saber quais seriam as cores que iriam colorir os meus sonhos a partir de agora. Era o medo de não acreditar novamente no amor, mesmo sabendo que ele renasce todas as vezes que a vida tenta me provar o contrário.

Mas eu preciso te confessar que as lembranças do que fomos ainda me assombra um pouco. Você sabe da minha mania de guardar cada detalhe vivido como um grande presente. É como se isso fosse uma forma de possuir todos os afetos que vivi pelo caminho, mesmo que a maioria se perca de vista.

A verdade é que eu ainda não consigo deixar nossas lembranças esquecidas por aí. Eu ainda insisto em procurar o que fomos em todos os cantos, como quem espera uma nova versão de você. Uma espécie de comparação automática com o amor que você me deu, uma busca constante por gestos parecidos com aqueles que me arrancaram sorrisos. Involuntariamente, eu desejo encontrar nós dois na próxima avenida de um carnaval qualquer, mas sem os erros que cometemos. O medo de nos perder tirou a chance de qualquer futuro a dois e, agora, a gente simplesmente precisa lidar com o que ficou. 

Daqui, ainda torço para que seu sorriso encontre um lugar seguro e amável, assim como desejo desistir dessa ideia de que o próximo amor virá pintado em tons de você. Eu sei que ainda ficaram pedaços dos meus afetos por aí e todas as histórias que escrevemos ainda estão guardadas nos livros empilhados na estante da tua alma. Cuida bem de tudo e saiba que você ainda mora em mim de alguma forma, ainda que segundas chances não façam parte dos melhores roteiros que eu escrevo diariamente.

Texto de Patrick Moraes