segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Nós nunca dissemos "eu te amo"


Para ler ouvindo "Varrendo a Lua"

Nós nunca dissemos “eu te amo”. Nem quando nossos olhos brilharam no reencontro após sua viagem de quinze dias, nem quando as borboletas voaram depois que te deixei em casa após o primeiro encontro. Ensaiamos um “você é especial” e firmamos, com pedido, um relacionamento sério em pleno calor daquela noite de inverno. Usamos dezenas de músicas que pudessem substituir as três palavras mágicas e até concordamos em, carinhosamente, nos apelidarmos no dia a dia.

Nós nunca dissemos “eu te amo” porque faltava coragem de assumir o amor. Coragem, medo e um pouquinho de insegurança. Dizer “eu te amo” era expor a vulnerabilidade que meu coração se tornou desde que você chegou e ficou. Era como provar que você me afetava de tal forma que eu não era mais capaz de controlar totalmente o que eu sentia. Era o autocontrole se perdendo, mesmo que o desejo de ficar e amar se achassem cada dia mais.

Nós nunca dissemos “eu te amo”, porque, misteriosamente, essas três palavras juntas podem causar um estrago grande quando vêm da alma. E, mesmo gostando do estrago, a gente preferia se amar sem muitas palavras. Nosso amor transbordava nas entrelinhas do que diziam nossos olhos. Se faltassem as frases, sobrariam os gestos. Tuas mãos sabiam conversar tão bem com as minhas que qualquer diálogo falaria muito menos que os nossos silêncios.

Nós nunca dissemos “eu te amo” porque aprendemos a guardar nosso amor em uma grande torre de marfim. Sabíamos que ele existia, mas não era necessário dizê-lo todos os dias, ainda que isso fosse um tanto injusto com toda a história que construímos. Éramos o casal perfeito, até mesmo na imperfeição da distância e das diferenças. Éramos o exemplo do amor pra vida inteira, ainda que a tal combinação das três palavras não fosse dita.

Nós nunca dissemos “eu te amo”. Nem quando eu olhei para trás e me despedi, pela última vez, naquele terminal de ônibus. Você foi embora, sabendo que perderia a última chance de me fazer ficar. Eu fui embora, sabendo que poderia te convencer de que o amor ainda valia a pena. Dessa vez, nossos silêncios seguiram rotas diferentes e, sozinhos, recomeçaram um novo amor consigo mesmo.

Texto de Patrick Moraes
Foto de Artur De Francischi

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

A gente se perdeu do nosso destino



Para ler ouvindo "Who You Love"

Eram teus dedos marcados em minha pele e teus beijos escondidos em meu pescoço. Era tua mania de, por diversão, me tirar do sério e teu semblante de que nada mais importaria se eu estivesse deitado em teu peito aquela noite. Era até teu silêncio ao ouvir minhas histórias longas e a tua paciência em me ver experimentar pela vigésima vez a mesma camisa antes de sairmos para jantar. Era tudo que poderíamos ter sido se a gente tivesse ficado.

Mas entre as distâncias e as diferenças, saímos da rota e seguimos em vagões diferentes. Distantes, sabíamos que, mais cedo ou mais tarde, perceberíamos como nossos destinos deveriam ter sido escritos na mesma página daquele livro. Próximos, a gente se perdia na inesgotável necessidade de ter razão e fugíamos. Nossos corações se transformaram em casulos tão pequenos que mal cabiam as certezas. Preferimos ignorar a saudade e deixar de fora o carinho que criamos sem nos darmos conta.

Quando nos encontramos ali, inesperadamente, na porta daquela festa, a gente se perdeu mais uma vez. Ou melhor, a gente não soube como se encontrar enquanto nossos olhos diziam o que nenhuma palavra seria capaz de explicar. Eu chegando, você saindo. Eu querendo falar, você sorrindo. Foi o medo do adeus que simplesmente nos conduziu para, novamente, seguir rotas opostas. Mas eu continuei olhando para trás e tendo a certeza de que seus olhos estariam me esperando. Eu continuei atentamente te vendo partir, em passos curtos e incertos. Você olhou antes de sumir de vez.

Mas a gente se reconheceu de novo. No bar perto da minha casa, eu com meus amigos, você chegando para mais um encontro que não te entregaria o que você queria. Você sabia que seu destino estava na mesa ao lado e nem ousava disfarçar. Inevitavelmente, eu torcia para que aquilo tudo não passasse de uma tentativa frustrada de superar o que fomos. Ou talvez o que poderíamos ter sido. Mas a teimosia nos tirou um do outro por incansáveis vezes.

Hoje, me peguei olhando a única foto que tiramos naquela manhã em que acordei com você tocando alguma música do John Mayer no violão. Me peguei pensando em como eu queria ter te apresentado a minha avó, mesmo que ela fosse te contar mil histórias da minha infância. Em como seria ter te convidado para um almoço de família no domingo e perdido a noção da hora entre a sobremesa e seu sorriso. Sorri imaginando como seria ter um mural cheio de você no meu quarto, ainda que você odiasse a minha mania de registrar tudo naquela máquina de congelar momentos.

Desejaria que as tardes mais vazias pudessem ser preenchidas com sua presença e que as piadas mais bobas existissem e fizessem sentido apenas para nós dois. Que seus braços fossem o melhor lugar para esquecer os cansaços da vida e que seu cafuné me lembrasse o quanto a delicadeza entre nós dois era gostosa. Eu queria te contar ainda muito mais coisas do que eu andei pensando sobre nós dois. Mas a gente se perdeu tantas vezes por aí que eu ando questionando como reunir todos os pedaços do que poderíamos ter sido se a gente tivesse ficado.

Texto de Patrick Moraes
Foto de Matteus Palmeira