quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Fragmentos de você



I tried to find the sound, but then it stopped. 
Florence + The Machine

Engraçado que, meses atrás, qualquer ruído era simples acaso, vento atrás da porta, bilhete velho que voava de dentro do livro de trezentas páginas que eu esquecia sempre em cima da cômoda. Engraçado como sempre fiz do meu coração um refúgio de pessoas, sobrepostas quase que sucessivamente em um ritmo alucinado e incontrolável. Nunca houve tempo de descanso, jamais existiu sequer um minuto para sentir vazio. E se depois de você veio um amor tão real quanto inteiro, os últimos dias do menor mês do ano me fizeram pensar desesperadamente em como seria se eu resolvesse juntar os pedaços que fragmentei do nosso amor.

É, te amei. Em migalhas mal resolvidas, em desculpas mal contadas, em segredos que te machucaram e me doem. Sinto da maneira mais vazia o que você sentiu em um tempo em que bastava eu te acertar os ponteiros e seguir viagem. Sinto que mesmo existindo um abismo de diferenças, bastava um voto de confiança na tão famosa coragem. Talvez você não foi capaz de espantar meu medo, mesmo que fosse capaz de me mostrar que estava inteiro pra mim. Eu simplesmente rejeitei a possibilidade de te fazer meu por mais tempo, por um tempo mais firme, por algo que todos pudessem olhar e dizer que era amor.

Meu álbum de fotos continua aberto aqui, ao lado da mesa onde escrevo essas palavras soltas, nostálgicas, estranhas. Nunca me permiti juntá-las depois que você se foi. Nunca me permeti senti-las depois que nos encontramos e nos perdemos e nos encontramos de novo em outros abraços. Nunca me permiti dizer que ter saudade de você era normal, mesmo que toda nossa história fosse um apanhado de contos que jamais seria grafada linearmente.

Não espero que você volte. Não espero que a gente se encontre. Só espero que todos os fragmentos de você possam se acomodar de uma forma menos perturbadora dentro de mim.

Texto de Patrick Moraes

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Uma xícara de chá

- Mãe, meu chá acabou!
- Não tem mais, filho.
- E de outro sabor? - implorava com olhos nostálgicos e sedentos.
- Você não iria querer misturar com as últimas gotinhas grudadas em sua xícara, iria?


O pano de mesa continuava florido, mesmo que, mais cedo, você tivesse derramado chá e, sem querer, o amargo da sua boca ainda refletisse na falta de açúcar do pote transparente. Aproveitamos a sua derradeira falta de atenção e resolvemos nunca mais marcar outro café daqueles. Nem chá, nem suco, nem água, nem um oi. Não combinávamos mais com torradas, geleias, toalha de mesa de morangos ou mesmo duas xícaras de louça japonesa com sachês usados no pires.

Rearranjaram as cadeiras e a que sempre foi sua puseram intencionalmente do outro lado da casa, escondida no sótão para que eu nunca fosse capaz de ir buscar. Meu medo de escuro só perderia para minha rejeição por poeira, exatamente como nós dois provavelmente acabaríamos: empoeirados e escondidos. Por medo, acreditei que a nova combinação de cadeiras da sala de estar ficaria incrível com o tempo. Por saudade, acreditei que era tudo uma questão de costume. Por amor, fugi da cama à noite e fui a passos curtos e miúdos naquele esconderijo onde te guardaram só para mais uma vez saber que você estava lá.

De manhã, as cadeiras, os chás e a toalha de morangos sorriam em tons de bom dia, sem saber que naquela noite eu quebrei o acordo de aceitar mudar a sala de estar por pelo menos alguns dias. Abri mais um sachê do último chá que dividimos e percebi que pouco importava se os outros sabores eram deliciosos. Hoje, era só o seu aroma que eu precisava pra sorrir mais uma vez. Mesmo que dessa vez eu só precisasse de uma xícara e a sua cadeira.

Texto de Patrick Moraes

"Pra onde elas vão? Embora." Cícero