sexta-feira, 28 de junho de 2013

Foge, balão


"O tempo corre, a rosa morre
Nem tudo funciona de verdade."

Vesti o moletom velho que sempre escondia todas as vezes que você resolvia aparecer sem pedir licença. Calcei um chinelo surrado e não me importei se meu cabelo estava ou não tão bagunçado quanto as minhas certezas amorosas. Tirei da despensa tudo que poderia me distrair aquela noite, todos os restos de doces abertos e os pedaços de amargos chocolates que fui guardando para nunca experimentar um fim.

Entre todas as tentativas inocentes de te esperar, talvez eu tenha me perdido em avassaladores assassinatos de corações. O menino de rosto de anjo e moletom do Mickey alternava os personagens sem ao menos perceber que se perdeu. Você ainda era o prometido do reino encantado que montou entre castelos, torres e um legado não menos real que fabuloso. Mas você era o escudo para as truculências de uma frieza inesperada mesmo em momentos quentes. Você nunca deixou de existir, mesmo que, por vezes, você se fizesse apenas como um trunfo para justificar qualquer atitude banal e impensada.

As coisas não iriam mudar enquanto aqui dentro ainda estivesse confortável. Te amar era real, mas era ainda maior o conforto de ter sobre quem escrever nas noites amarguradas e saudosas. Era convincente ter lágrimas no coração para banhar a alma vez em quando, na certeza de que o próprio amor estava vivo. Ainda era doído como tudo terminou, mas até isso era preciso guardar para que eu pudesse ter o que esperar. E sua espera passou a ser a lei dos últimos dias.

Coloquei a televisão no mudo para ouvir o descompasso aqui dentro. Já não sabia se era a saudade quem batucava quase que sem ritmo ou se era o desespero de não ter o que chorar caso eu deixasse você ir de uma vez. Sorri como quem vê um balão colorido escapando das mãos de um menino e não sabe onde aquilo tudo vai dar. Será que ele estoura antes de chegar lá no céu? Mas onde é mesmo o céu? Será que um dia eu vou conseguir tocá-lo sem ao menos questionar o que é possível?

Um pouco de som, um pouco do amargo chocolate. Um pouco da sua distância, um pouco das minhas más intenções revestidas de boas tentativas. Igual aquele balão, era assim que a vida andava: subindo, pairando, mas sem a certeza do momento em que iria se desfazer no ar e voltar a ser plástico velho pelo chão.

Texto de Patrick Moraes

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Adormeceu



"Nunca me esqueça.
Eu não te esqueço jamais."
Geraldo Azevedo

Adormeci. Depois de ter o peito apertado pelas lembranças, eu descobri o aconchego da cama. Depois de sentir o sal de cada lágrima que teimava em escorrer em um gesto desesperado, eu encontrei naquele seu presente o afeto que faltava. Depois de sentir o coração ser torturado pela tua ausência, eu fechei os olhos como uma forma de misturar a minha teimosia desanimada com a aceitação impaciente.

De lá pra cá, não acordei mais. Adormeci os sentidos, agucei os sonhos e fingi que as dores passariam, que os sorrisos bastariam, que você não viria. Sucumbi todo e qualquer desejo de você quando, racionalmente, você destruiu todo e qualquer pedaço de esperança de te ter novamente. Desisti de manter a chama acesa. Desisti de segurar a vela com a mão. Deixei ir apagando, devagarzinho, lentamente... silenciosamente.

Não bastava. A chama nunca se apagaria. Era fonte de amor, daqueles que sangra e exala o perfume mais doce e o sabor mais ardente do inesquecível. Era a borra que queimava a pele ainda que a chama me cegasse os olhos. Era o simples suspiro bobo de um amanhecer, o abrir de uma janela e o claro raiar do sol.

A chama, outra vez, se fez intensa. A alma, outra vez, se aprontou. Sempre soube que você voltaria. Ainda que não fosse pra mim, você voltaria. Ainda que sem me tocar, ainda que sem trazer seu coração pulsando e seu corpo ardendo, ainda que sem entrega, você estaria aqui, em minha frente ou escondido em qualquer canto desse lugar que foi nosso.

Quando chegar, não me proponha carinhos. Quando aparecer, desista de todos os sentimentos agradáveis e amigáveis. Melhor ainda, aprenda de uma vez por todas que a chama só existe se for alimentada com o avassalador sentimento de uma paixão eterna. 

Se aceitar voltar, deixe de lado todo o orgulho que te impede e todas as palavras mal ditas. Se for preciso, recomece. Se houveram tentativas frustradas de esquecimentos, repense. E quando as marcas de arranhões provocados pelo próprio desejo de cuidar ainda incomodarem, acredite em todas as palavras que confessamos naquela noite em que você se foi.

- Promete que nunca vai me esquecer?
- Nem se eu quisesse. Você será pra sempre!

Texto de Patrick Moraes

Esse texto é um projeto especial do Esquinas com músicas de O Grande Encontro
e foi inspirado na música "Dona da Minha Cabeça"

quarta-feira, 12 de junho de 2013

O surto de amor

"Sim pro inexplicável.
Eu disse sim."
Sandy


Não, eu não pretendo achar a metade da laranja. Eu simplesmente espero que aconteça. Talvez eu peque no esperar, mas eu compenso no acontecer. Não quero quem me complete, nem que venha pela metade para formar um inteiro. Se for pra vir, que venha cheio. Cheio de vontades, cheio de querer, cheio de motivos.

Não, eu não preciso de mais poréns só para, enfim, completar uma frase. Uma frase mais necessária no texto de outros do que no meu. Eu só preciso continuar reticente, com algumas vírgulas e uma ortografia impecavelmente capaz de traçar as melhores e piores confusões sentimentais. E se faltou uma crase, me perdoe pelo deslize gramatical e me considere pela (in)coerência dos meus gestos sutis.

Não, eu não me tornei um doido varrido desses que te procura em qualquer esquina, em qualquer meia viagem ao trabalho ou naquele vagar solitário de pensamentos em pleno domingo à tarde. Se as noites são mais frias e menos preenchidas sem abraços, o calor vem das palavras amargas de qualquer muro virtual ou mesmo de uma página amarela e mofada de um presente antigo.

Sim, eu surtei de amor quando desejei reunir todos os pedaços de ternura soltos ao meu redor. Eu surtei de amor quando consegui entender que namorar é muito mais uma definição da alma do que das convenções. Surtei quando vi meu coração lembrar de você, mesmo quando o você não fosse meu, não fosse aquele amor de sessão da tarde, não viesse com alianças douradas e uma flor. 

Eu apenas surtei de amor quando o frio me abraçou hoje e não me deu espaço para outras metades, outros desejos, outros corpos inteiros. Apenas para recomeços em salas de espera de qualquer consultório sentimental por aí.

Texto de Patrick Moraes