terça-feira, 31 de agosto de 2010

Gangorra


"Por seres tão inventivo e pareceres contínuo, tempo tempo tempo tempo, és um dos deuses mais lindos."
(Maria Bethânia)


Crise hormonal. Só pode ser isso que regula minha bipolaridade rotineira. Acordo com um pedido disfarçado de ordem e vou deitar com uma vontade antiga que nunca se perdeu. E passam por mim sinônimos, vírgulas vespertinas e uma reticência longa no finalzinho da tarde. Já não sei bem em qual gramática eu conseguiria me adequar, qual a conjungação verbal reflete minhas vontades e qual o sujeito para minha oração não precisar de um predicado tão distante.

Relativismo: variação, contrário ao absolutismo, distante de tronos e altares, gangorra. Começo a entender aquela história do copo meio cheio e meio vazio, e vejo que nem sempre a gente quer mais quando se tem o suficiente. Talvez o excesso peque, me agustie e me faça desejar menos. E mais uma vez eu prefiro dizer que não sei quando vale a pena exagerar na pimenta.

Lembrei que não adianta tentar bancar o super-herói e querer me livrar de todos os distúrbios que meu corpo insiste em provocar. O menino indeciso e impaciente vai continuar a bater o pé quando achar que está certo, vai querer continuar atravessando sambas e dizendo que a batida dos tambores é mais forte. Vai acordar na manhã de segunda com uma vontade de continuar na coberta verde sem se dar conta que as nuvens se transformam na mesma velocidade que as oportunidades. Mas vai perceber que semanas depois as irritações são outras, sem motivos, por bobagens, mas extremamente instintivas.

Esperto é quem sabe que no equilíbrio não se encontra os suspiros. O melhor mesmo é o sobe e desce da gangorra, o eterno fluxo de estado de espírito.

Texto de Patrick Moraes

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Fazendinha

"Eu não olho pra trás, não me arrependo. Vou com a roupa do corpo, não sei bem pra onde mas não paro não." (Filipe Catto)


Parecia que nunca ia chegar, que os pedaços daquele caminho jamais formariam a estrada de sol que tanto desejou. Choveu! Mas dizem que depois da tempestade vem a bonança, e que com o rapazinho não seria diferente. Cresceu longe dali, mas sabia que uma parte de si um dia pertenceria àquele lugar.

Era menino, da fazendinha velha que um dia conseguiu aumentar o pasto, criar umas ovelhas e comprar um velho jipinho amarelo. Aprendeu desde cedo que ali era seguro, confortável, confortante. Mas no meio daquele palheiro, sabia que ia encontrar a agulha de prata. E todos os dias passava por ali, olhava por ali, sentava por ali. Um ali que chegou a cintilar de leve, mas nunca a brilhar.

Foi de repente a sensação do vento no farol, a graça dos pequenos macacos e o simples frio na barriga ao imaginar apenas aquela avenida. Por mais distante, parecia perto. Dentro dos olhos atiçados, atentos, espertos, curiosos, morava um pássaro. Azul, com canto tímido ainda e asas aguçadas para rodar o céu da estação. O calor daquele pequeno galpão, a intensidade daquela presa, o simples crime cometido na busca do prazer. Provocação e graça. O menino da fazendinha dourada caiu no coração doce, vermelho, mas pequeno.

E depois a estrada transformou-se em lua e o menino dormiu.

Texto de Patrick Moraes